WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Harvard, Yale, Chicago, Stanford, Berkeley, Columbia. Uma pesquisa recente citou todas essas universidades, mas não como elas estão acostumadas.
Segundo o estudo, membros dessas e outras instituições de elite americanas estão por trás de postagens em um fórum virtual anônimo conhecido como EJMR (sigla em inglês para “boatos de mercado de trabalho em economia”), que há anos vem sendo criticado pela circulação de conteúdos racistas, misóginos, antissemitas e difamatórios.
Uma pesquisa da economista Alice Wu de 2017 mostrou que algumas das palavras mais associadas a mulheres em postagens no EJMR eram “gostosa”, “lésbica”, “anal”, “feminazi”, “vadia”, “grávida”, “excitado” e “prostituta”. Por outro lado, no rol de palavras mais comumente associadas aos homens, estão “Nobel”, “matemático” e “motivado”.
Os resultados do estudo, no entanto, foram minimizados por muitos críticos, que atribuíram o conteúdo ofensivo a usuários mal-intencionados (trolls) e pessoas sem relevância no campo.
A nova pesquisa, conduzida por Florian Ederer (Universidade de Boston), Paul Goldsmith-Pinkham (Yale) e Kyle Jensen (Yale), mostra justamente que muitas das postagens tóxicas têm, sim, origem no mainstream da academia.
Os pesquisadores coletaram mais de 7 milhões de posts (tóxicos ou não), distribuídos em quase 700 mil tópicos criados entre dezembro de 2010 até 10 de maio deste ano. Desse montante, eles conseguiram rastrear o IP (espécie de endereço virtual de um dispositivo, como um computador) de 66% dos autores.
Esses dados mostram que cerca de 10% dos posts no site têm como origem universidades do mundo inteiro. Eles estão concentrados nas 25 instituições americanas com os departamentos de economia mais bem avaliados do país, segundo o ranking RePEc juntas respondem por mais de 20% dos posts. Lideram a lista Stanford, Columbia e Chicago, nessa ordem.
Além das universidades, órgãos governamentais como o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) também são origem de postagens, além de ONGs e empresas.
Outro achado é que uma fração dos usuários (5%) é responsável por mais de 50% do conteúdo. Cerca de 6 em cada 10 dos IPs identificados são dos Estados Unidos, e Chicago é a cidade com maior número de postagens (6%), embora seja origem de poucos IPs (879).
De todo o conteúdo, a pesquisa classifica cerca de 10% como tóxico. As instituições com mais posts ofensivos, em ordem, são a Universidade da Califórnia em Los Angeles, Yale, Universidade da Califórnia em San Diego, Universidade de Wisconsin Madison e Universidade de Chicago.
Fundado em 2008, o EJMR foi criado como um espaço para troca de informações sobre vagas de trabalho na área de economia. Até hoje, ele cumpre essa função. Há também discussões sobre pesquisas e orientações sobre a carreira acadêmica.
Seus frequentadores são descritos nas pesquisas como majoritariamente pós-graduandos, sobretudo doutores e pós-doutorandos. Estima-se que o fórum receba 2,5 milhões de visitas e 70 mil postagens por mês.
Qualquer usuário pode abrir um tópico (que pode ir desde “qual é o salário na universidade x” a “estou infeliz no meu casamento”) e responder às postagens feitas por outros tudo anonimamente.
O resultado é que mesmo tópicos à primeira vista inofensivos se transformam muitas vezes em discussões agressivas, com xingamentos e ridicularizações. É comum ainda espécies de duelos de carteirada, com cada lado alardeando um diploma de uma universidade de renome (a versão acadêmica de quem tem a maior SUV).
E, é claro, há os tópicos de ataque pessoal puro e simples. Esses com frequência envolvem acusações, sem provas, de que uma pessoa obteve um cargo por meios escusos (roubando ideias de outras, por exemplo), ou questionamentos sobre sua competência.
Brasileiros também participam do fórum, e não são exceção à regra. Em meio a discussões salariais e sobre carreira no país ou no exterior, há uma postagem por exemplo argumentando que não existe mais dominação masculina na sociedade porque as mulheres não se casam mais virgens, e outro falando que “mulher se faz de vítima em qualquer profissão”.
O volume de conteúdo em português em comparação com os demais, no entanto, é baixo. O Brasil não aparece como um país com número relevante de posts no estudo, e universidades nacionais não são citadas pelos pesquisadores.
A Folha encontrou algumas críticas a economistas como Laura Carvalho, Marcio Pochmann e Arminio Fraga em postagens feitas nas duas últimas semanas. O mais comum, no entanto, são ofensas entre os próprios usuários.
No conteúdo tóxico em inglês, são frequentes tópicos com notícias falsas, em apoio ao ex-presidente Donald Trump, ofensas racistas a negros e asiáticos, antissemitismo, e ameaças de estupro.
Anya Samek, professora da economia da Universidade da Califórnia em San Diego, foi um dos alvos de usuários do EJMR, após ser aceita em um pós-doutorado na prestigiosa Universidade de Chicago. No fórum, posts questionavam sua seleção porque ela fez seu doutorado em Purdue, uma instituição menos conhecida.
Samek lidera um abaixo-assinado endereçado à AEA (Associação Americana de Economistas) para que a entidade participe de uma ação contra difamações e ameaças no site. “EJMR reflete e contribui para um ambiente hostil na profissão de economia e atinge desproporcionalmente mulheres e minorias”, diz a petição.
Até a última quarta (9), segundo ela, a iniciativa tinha cerca de 1.700 assinaturas entre elas, a de Ben Bernanke, ex-presidente do banco central americano e vencedor do Nobel de Economia.
Outro Nobel, Paul Krugman, também compartilhou o abaixo-assinado em seu perfil no Twitter, mas disse que não poderia assinar por uma política interna do New York Times, jornal do qual é colunista.
A AEA já foi instada a se mexer contra o EJMR no passado. Após pressão por meio de um outro abaixo-assinado, a associação criou um site próprio para fornecer informações atualizadas sobre o mercado de trabalho. A iniciativa, no entanto, fracassou diante do baixo interesse.
O EJMR possui uma política de moderação de conteúdo, e diz que serão apagados posts que contenham discurso de ódio, racismo, homofobia, sexismo e que sejam “excessivamente violentos” ou “muito críticos à vida pessoal de alguém”.
O site deixa claro que não será deletado conteúdo com o qual um usuário não concorde, mas que um número considerável de pessoas não veja problema. “Esse fórum permite uma discussão de mentes abertas, você não pode esperar que as coisas sejam do seu jeito porque você é mais sensível que a maioria”, afirma em sua política.
Quem defende o EJMR destaca sua utilidade para discutir pesquisas e se atualizar sobre oportunidades de trabalho, argumentando que o conteúdo ofensivo é marginal e que basta ser ignorado. Também dizem que ninguém é obrigado a frequentar o site se não se sente confortável nele.
No caso do estudo mais recente, que utilizou IPs para identificar a origem das postagens, também há duras críticas ao método, considerado por alguns ilegal, porque ele supostamente poderia revelar a identidade dos autores dos posts o que viola a privacidade dos usuários e poderia colocar em risco pessoas que estejam em regimes autoritários, por exemplo.
Os pesquisadores, no entanto, respondem que não vão revelar a identidade dos frequentadores do EJMR, e que o estudo tem respaldo do departamento jurídico.
FERNANDA PERRIN / Folhapress