SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Depois de passar mais de um século perdido em meio às estantes do Museu de História Natural de Londres, um dinossauro achado na Bahia foi batizado de Tietasaura derbyiana por paleontólogas brasileiras. O nome é uma homenagem à protagonista de “Tieta do Agreste”, livro do baiano Jorge Amado que foi adaptado para TV e cinema.
Os ossos do dinossauro, que são os primeiros a serem descobertos na América do Sul, foram localizados na região do Recôncavo Baiano entre 1859 e 1906, mas só agora foram analisados e descritos como uma nova espécie. O achado foi publicado na revista científica Historical Biology, no último dia 11.
A Tietasaura representa o primeiro vestígio ósseo de um animal do grupo ornitísquio já encontrado no Brasil até então, os únicos registros no país desse tipo de dinossauro eram pegadas. O grupo é formado por herbívoros que têm o focinho em formato de bico, como o triceratops e o estegossauro.
Além disso, os fósseis são de um dinossauro relativamente pequeno, medindo cerca de dois metros de comprimento como foram analisados apenas pedaços do fêmur, ainda não é possível saber se o exemplar era um adulto ou não. Por habitar uma área em que havia predadores muito maiores, provavelmente vivia em bandos.
A Tietasaura viveu há cerca de 130 milhões de anos, no início do período Cretáceo. Na época, a América do Sul e a África estavam começando a se separar e estima-se que a região do Recôncavo Baiano era formada por praias de rios que, eventualmente, poderiam ser invadidos pela água do mar que avançava pouco a pouco sobre o continente.
O trabalho foi coordenado por Valéria Gallo e Kamila Bandeira, pesquisadoras do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes (Ibrag) da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), em parceria com profissionais de outras instituições nacionais, como o Museu de Zoologia da USP e o Museu Nacional.
“Tieta é uma abreviação de Antonieta, que significa ‘inestimável’. Então, [o nome] faz essa alusão ao valor inestimável dessa espécie nova”, conta Bandeira, que é fã de Jorge Amado. Ela diz que a referência à personagem também faz uma brincadeira com a história do material estudado.
“A Tieta cresce numa cidade tradicional, sai de casa e volta trazendo grandes novidades ali para a região. E esse material não deixa de ser isso: ele saiu [de sua terra natal], foi considerado perdido e quando retornou trouxe todo esse reboliço e essas boas novas para a paleontologia”, explica a pesquisadora.
O nome escolhido homenageia, ainda, um dos naturalistas responsáveis pelas expedições que encontraram os fósseis da Tietasaura derbyiana: Orville Derby, fundador do Serviço Geológico do Brasil e pioneiro da paleontologia no país.
Bandeira ficou sabendo da existência dos fósseis em uma visita de pesquisa ao Museu de História Natural de Londres. A cientista diz acreditar que os materiais ficaram esquecidos por tanto tempo por um misto de desinteresse internacional e falta de informação.
“Para os estrangeiros não importava tanto esse material tão fragmentário e que nem era deles. E aqui no Brasil a gente não tinha, talvez, uma comunidade tão bem estabelecida, com recursos para ir para fora do país avaliar onde estavam esses materiais”, afirma ela.
Além da Tietasaura, a equipe analisou mais fósseis encontrados durante essas expedições e foi possível identificar a presença de outros cinco grupos de dinossauros na região.
“[Essa descoberta] enriquece a nossa paleofauna, porque é o registro de um grupo que até então a gente não tinha aqui”, afirma. “A fauna dessa época da Bahia é pouco conhecida. Também estamos falando de uma faixa de tempo, da transição do Jurássico para o Cretáceo, que globalmente é muito pouco conhecida.”
Bandeira ressalta que o achado tem, ainda, uma importância histórica. “São materiais que foram coletados no surgimento das ciências naturais aqui na América do Sul. Enquanto em várias coleções do mundo esses primeiros exemplares são perdidos como esses também estiveram, por muito tempo, aqui eles foram recuperados e estão salvaguardados em um museu”, diz.
“As pessoas acham que só se perde material [científico] aqui [no Brasil]. Pelo contrário, tem muito material antigo que foi coletado na América do Sul como um todo, foi levado pela Europa e não se tem ideia de onde está. Esse dinossauro era um deles, mas felizmente foi reencontrado”, comemora.
JÉSSICA MAES / Folhapress