RIO DE JANEIRO, RJ E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Temores de maior ingerência política e redução de dividendos com proposta de alteração no estatuto da Petrobras derrubaram as ações da estatal nesta segunda-feira (23). Os papéis caíram 6,60% e a empresa perdeu R$ 32,3 bilhões em valor de mercado.
A mudança foi anunciada sem muitos detalhes pela manhã. Em comunicado, a Petrobras disse que seu conselho de administração aprovou alterações em sua política de indicação de executivos e a criação de uma reserva de remuneração do capital.
No fim do dia, após a repercussão negativa, a empresa disse que a ideia é suprimir do estatuto parágrafo que enumera vedações às indicações previstas na Lei das Estatais -como membros do governo ou de partidos políticos e sindicatos, por exemplo- mas que o texto continuará seguindo a lei.
A reportagem apurou que a proposta de mudança na política de indicações foi levada pelo presidente do conselho, o secretário de Petróleo e Gás do MME (Ministério de Minas e Energia), Pietro Mendes, e não chegou a ser analisada pela área de governança da estatal.
Os quatro conselheiros que representam acionistas minoritários da estatal votaram contra a mudança na política de indicações, alegando que ela abre portas para indicações políticas. Mas perderam a disputa, já que os indicados pelo governo formam maioria e votaram em peso a favor.
O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, questionou a votação do tema sem análise prévia e se absteve de votar.
Mendes teve sua nomeação contestada por parecer interno da estatal, que via possibilidade de conflito de interesses entre suas atividades no ministério e recomendou sua renúncia ao posto na administração federal. Seu colega no MME Efrain Cruz também teve a nomeação questionada.
Na eleição, o governo alegou que “não corrobora com manifestações de caráter meramente opinativo” dos órgãos de governança e que parecer do MME não encontrou vedações a indicações ao conselho. Defendeu ainda que liminar do STF (Supremo Tribunal Federal) havia suspendido as vedações.
Segundo a nota distribuída pela Petrobras nesta segunda, a mudança teria o objetivo de adequar a política de indicações da companhia à interpretação da liminar do então ministro do STF Ricardo Lewandowski, mesmo que o tema ainda não tenha sido debatido em plenário.
Mais tarde, a estatal disse que o objetivo é alinhar o texto a “quaisquer que venham a ser as decisões judiciais sobre o tema”.
“A proposta abre caminho para a nomeação de pessoas expostas politicamente”, escreveram analistas do banco Goldman Sachs. “Víamos o estatuto da Petrobras como uma camada adicional de proteção contra intervenção na companhia.”
A União é hoje ré em dois processos na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) por nomear para o conselho da Petrobras executivos que haviam sido rejeitados por comitês internos a partir de vedações previstas na Lei das Estatais.
O primeiro caso ocorreu no governo Jair Bolsonaro (PL), que elegeu para o conselho Jônathas Assunção e Ricardo Soriano, quando ocupavam os cargos de secretário-executivo da Casa Civil e de procurador-geral da Fazenda Nacional.
A Petrobras afirmou também nesta segunda que vai explicitar em seu estatuto que, “para a investidura em cargo de administração, a Companhia somente considerará hipóteses de conflito de interesses formal nos casos expressamente previstos em lei”.
A estatal diz que a criação da reserva tem por objetivo “assegurar recursos para o pagamento de dividendos, juros sobre o capital próprio, suas antecipações, recompras de ações autorizadas por lei, absorção de prejuízos e, como finalidade remanescente, incorporação ao capital social”.
A empresa ressalta que sua política de dividendos, que prevê a distribuição de 45% do fluxo de caixa livre, permanece em vigor, mas a avaliação de analistas é que a reserva pode reduzir a possibilidade de distribuição de dividendos extraordinários.
“Com a criação da nova ferramenta financeira, o montante efetivamente distribuído poderá ser sensivelmente inferior ou até mesmo extinto a depender do seu tamanho”, disse, em nota, a Ativa Investimentos.
As medidas ainda precisam de aprovação pela assembleia de acionistas da companhia, sem data marcada. Mas, com maioria do capital votante, o governo consegue aprovar qualquer proposta.
A Petrobras ainda não respondeu a pedido de entrevista.
Com o recuo das ações da Petrobras, a Bolsa brasileira registrou queda de 0,32% e fechou aos 112.784 pontos nesta segunda-feira, em seu menor nível desde 5 de junho deste ano.
Além da proposta de mudança na governança, o preço do petróleo também não ajudou: o barril do petróleo Brent, referência mundial do produto, caiu 2,5% nesta segunda, a US$ 89,83, com alívio de investidores sobre o conflito entre Hamas e Israel.
“As ações da Petrobras reagiram à aprovação pelo Conselho da submissão de proposta de revisão do estatuto social, que poderia representar retrocesso na governança corporativa e impactar futuras distribuições de dividendos extraordinários. No fim, a queda do petróleo no mercado internacional foi só um fator adicional de menor impacto”, diz Alexsandro Nishimura, economista e sócio da Nomos.
Desde o dia 18 de outubro, quando a Petrobras atingiu o recorde histórico de preço por ação de R$ 38,52, o papel recua 8,23%, o que representa R$ 41,6 bilhões de valor de mercado.
O montante é próximo ao que vale a Sabesp, a estatal de saneamento do estado de São Paulo. O levantamento foi feito por Einar Rivero, consultor de dados do mercado financeiro.
Somente nesta segunda-feira (23), a ação preferencial da Petrobras recuou 6,61% na B3, a R$ 35,35. No ano, o papel sobe 78,09%.
O movimento recente se dá em meio a quedas sucessivas do barril de petróleo Brent, de um corte de preço da gasolina que elevou a defasagem do combustível comercializado no Brasil e da polêmica proposta de mudança no estatuto social da empresa.
No câmbio, o dólar caiu 0,29% e fechou cotado a R$ 5,016, acompanhando a queda nos rendimentos dos títulos americanos. Os chamados “treasuries” recuaram de 4,91% para 4,84%, após terem ultrapassado o patamar de 5% pela manhã.
NICOLA PAMPLONA, MARCELO AZEVEDO E STÉFANIE RIGAMONTI / Folhapress