BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Além da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, já homologada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), a Polícia Federal avançou na negociação de acordos de colaboração com investigados em outras frentes de apuração.
Entre eles, há policiais federais. Ao menos duas pessoas envolvidas no inquérito sobre a suposta interferência da PRF (Polícia Rodoviária Federal) nas eleições de 2022 estão em tratativas de colaboração premiada com a PF, segundo a reportagem apurou.
Integrantes da corporação manifestaram interesse no que os investigados têm a relatar e estão no processo de averiguação prévia dos depoimentos. Só depois o acordo é levado à Justiça para ser homologado.
As delações têm o potencial de acrescentar informações no caso das operações da PRF nas eleições de 2022, assim como nos eventos que levaram aos ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.
A jurisprudência brasileira estabeleceu que a palavra oral não é uma prova suficiente, nem mesmo para oferecer uma denúncia a um juiz ou a um tribunal, no caso de quem possui foro.
O colaborador precisa apresentar elementos de corroboração externos para comprovar seu testemunho, como extratos, fatura de cartão crédito, passagens, recibos, mensagens e demais dados que ajudem a comprovar seu testemunho.
A falta desses elementos derrubou, nos últimos anos, denúncias que tinham sido apresentadas no âmbito da Operação Lava Jato, investigação que mais usou esse tipo de compromisso.
Um dos alvos dos depoimentos deve ser o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, que chefiava a pasta à época das operações da PRF, e posteriormente foi secretário de Segurança Pública do DF. Investigadores dizem que já há elementos para afirmar que houve tentativa clara de intervenção nas eleições.
No dia dos ataques aos Poderes, Torres estava em viagem aos Estados Unidos, alegando estar em férias. Dias depois, a PF encontrou na residência de Torres uma minuta (proposta) de decreto para o então presidente Jair Bolsonaro (PL) instaurar estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O ex-ministro tornou-se um dos investigados no inquérito aberto no STF que apura omissões de autoridades nos ataques em Brasília.
Torres foi preso ainda em janeiro ao retornar dos Estados Unidos. Antes, ele havia sido exonerado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) no próprio dia 8 de janeiro. Em maio, ele teve um pedido de liberdade provisória deferido pelo ministro Alexandre de Moraes.
À época, os advogados de Torres alegaram que ele teve piora no quadro mental. O ex-ministro não é um dos investigados que negociam colaboração premiada.
A polícia também apura o papel do ex-ministro na atuação da PRF que ampliou o número de abordagens a ônibus, descumprindo a decisão que proibia operações no transporte público, às vésperas do segundo turno das eleições de 2022.
Além dele, os investigadores miram outros três integrantes da própria Polícia Federal que estavam cedidos para o Ministério da Justiça naquela época.
Uma delas é Marília Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça, no celular de quem foi encontrado um levantamento com o nome das cidades em que Lula recebeu mais de 75% dos votos no primeiro turno.
Um funcionário de Marília ouvido pelos investigadores afirmou ter recebido dela a tarefa de realizar este mapeamento e, depois, relatou que as blitze da PRF focaram em cidades em que Lula o petista havia recebido mais votos.
Marília acompanhou Torres de volta à secretaria do DF após a derrota de Bolsonaro e era a responsável pela inteligência da Secretaria de Segurança Pública no dia dos ataques golpistas.
Em agosto, Torres afirmou à CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal que não “deu andamento” às informações levantadas sobre as cidades onde e Bolsonaro tiveram mais votos no primeiro turno porque não achou a métrica adequada.
“Não dei andamento a isso porque não vi conexão disso com crime. Bolsonaro teve 75% dos votos em Santa Catarina, que crime ocorreu ali? Foi isso que eu questionei: como é que através disso nós vamos chegar a crimes eleitorais? E não tive essa resposta.”
Ainda à CPI, o ex-ministro reforçou que as invasões do dia 8 de janeiro teriam sido evitadas caso protocolo de ações da Secretaria da Segurança, feito em 6 janeiro, tivesse sido cumprido.
O plano dizia, entre outras coisas, que a Polícia Militar deveria impedir os golpistas de chegar à praça dos Três Poderes.
Na ocasião, o ex-ministro foi questionado sobre a informação de que o departamento operacional da PM teria retardado o envio das tropas à Esplanada dos Ministérios quando o Palácio do Planalto e o Congresso estavam prestes a ser invadidos.
Torres ainda alegou que a minuta golpista encontrada em sua casa é “fantasiosa”.
JULIA CHAIB / Folhapress