SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O esquema de tráfico internacional de drogas que utiliza a troca de etiquetas de malas no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo, é investigado pela Polícia Federal ao menos desde 2019, conforme relatórios de investigações obtidos pela reportagem.
Casos pontuais pode ter ocorrido antes disso, mas os documentos indicam que foi a partir daquele ano que os policiais federais identificaram uma rotina de quadrilhas que praticamente todos os meses enviaram ou tentaram enviar malas recheadas de cocaína para Europa.
Uma parte das bagagens era enviada com etiquetas em nome de inocentes, enquanto a outra parte era enviada sem identificação.
Esse tipo de crime ganhou repercussão em março deste ano quando as brasileiras Kátyna Baía e Jeanne Paolini foram presas na Alemanha sob a suspeita de tráfico internacional de drogas. A prisão ocorreu após a polícia apreender cerca de 40 quilos de cocaína em duas malas em nome delas.
Foi graças à investigação da própria PF que as duas conseguiram provar que, na verdade, eram vítimas desse esquema de troca da etiqueta das malas. Apesar disso, a dupla ficou presa mais de um mês ser libertada pelas autoridades alemãs.
O risco de prisão de pessoas inocentes vinha sendo alertado pelos próprios policiais federais brasileiros em relatórios internos de investigação e, ainda, em pedidos de medidas cautelares contra suspeitos.
“Esse modus operandi […] tem o potencial de provocar prisões de pessoas inocentes nos países de destino da droga. Mais uma razão para que a Justiça atua prontamente para fazer cessar suas práticas criminosas”, diz trecho de um documento de 2021 que investigava o esquema.
A prática mencionada no documento consiste em despachar malas recheadas de drogas pelo embarque doméstico e levá-las para o setor de embarque internacional. Lá, os criminosos colocam as etiquetas retiradas de bagagens de passageiros inocentes e mandam para os aviões.
Por meio desse esquema, os criminosos conseguiam desviar malas com drogas da fiscalização automática “BHS” (Baggage Handling System) do aeroporto de Guarulhos, local que, segundo a PF, “possui a função de identificar possíveis conteúdos ilícitos”.
De acordo as investigações da PF, uma série de funcionários do aeroporto participavam no esquema, como operadores de esteira e motoristas. A maioria era de empregados terceirizados, com salários estimados em cerca de R$ 1.500, atraídos por ofertas de cerca de R$ 20 mil por mala despachada.
O quilo da pasta base de cocaína, que é comprado por cerca de R$ 10 em países como Bolívia, Peru e Colômbia, é comercializado na Europa por cerca de US$ 50 mil (R$ 240 mil, na cotação atual), conforme informações da polícia.
Uma das primeiras investigações conduzidas pela PF teve início após uma apreensão feita em novembro de 2019 no aeroporto de Guarulhos de 30 kg de cocaína que iriam para Amsterdã. A mala colocada pelos criminosos tinha uma etiqueta “rush”, como se fosse uma bagagem desviada.
Segundo o relatório da investigação, de outubro de 2019 a agosto de 2020 foram feitas ao menos nove apreensões de cocaína que seriam enviadas para a Europa nesse mesmo esquema, em um total de 800 quilos de droga.
Até pela quantidade apreendida, os policiais federais suspeitam da participação de integrantes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) no esquema, mas nos documentos aos quais a reportagem teve acesso isso ainda não ficou comprovado.
A PF prendeu nesta terça (18) 16 pessoas suspeitas de participarem do esquema. Segundo a própria corporação, nenhum deles tem ligação com a facção.
Policiais e promotores ouvidos pela reportagem afirmam que os líderes do PCC não costumam se envolver nesse tipo de esquema para o tráfico de drogas.
Em vez disso, os principais nomes da facção preferem fazer esse tráfico através de navios, boa parte enviada pelo porto de Santos.
Para comparação, a Receita Federal de Santos apreendeu cerca de 131 toneladas de cocaína de 2016 até agora. Em apenas uma apreensão, realizada em dezembro de 2020, foram encontrados 2,9 toneladas da droga ocultas em bobinas de alumínio.
Esses números não incluem as apreensões feitas em operações realizadas só pela PF.
Ainda de acordo com a Receita Federal, os navios tinham destinos como Antuérpia (Bélgica), Roterdã (Holanda), Le Havre (França), Hamburgo (Alemanha) e Valência (Espanha).
A maioria da droga foi apreendida estava escondida em cargas, no chamado “sea chest” (parte debaixo dos navios e que requer uso de mergulhadores) ou ocultas na estrutura de contêineres refrigerados.
Para o procurador Marcio Sergio Christino, especialista em crime organizado, o envio de drogas por meio de malas trocadas pode ser um meio de exportação da droga pelo crime, mas, não é o principal deles.
“Simplesmente porque a quantidade que pode ser embarcada é relativamente pequena se comparada com um contêiner, por exemplo. Ademais, depende de vários fatores, especialmente o aliciamento de funcionários e contam com a limitação da vigilância”, disse.
Ainda segundo ele, essa prática criminosa encontrada em Guarulhos pode ser uma forma do crime de substituir as antigas “mulas”, como são chamadas pessoas que levam drogas dentro do organismo. “Com a vantagem de que as mulas eram identificáveis pela nacionalidade e características, já o embarque em malas violadas é mais difícil de perceber”, disse.
Redação / Folhapress