BRASÍLIA, DF, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A Polícia Federal cumpriu nesta segunda-feira (29) mandados de busca e apreensão tendo como alvo o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), na terceira operação da investigação sobre a chamada “Abin Paralela” no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Agentes da PF vasculharam endereços ligados a Carlos na cidade do Rio de Janeiro (uma casa, seu gabinete na Câmara Municipal e seu escritório político), além da residência de veraneio da família, na Vila Histórica de Mambucaba, em Angra dos Reis.
Na decisão em que autorizou as buscas, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), relata que o objetivo da PF foi “avançar no núcleo político, identificando os principais destinatários e beneficiários das informações produzidas ilegalmente no âmbito da Abin [Agência Brasileira de Inteligência]”.
“A organização criminosa infiltrada na Abin também se valeu de métodos ilegais para a realização de ações clandestinas direcionadas contra pessoas ideologicamente qualificadas como opositoras, com objetivo de ‘obter ganho de ordem política posto que criavam narrativas para envolver autoridades públicas de extrato politico oposicionista da então situação'”, escreveu Moraes.
A ação desta segunda-feira é uma nova frente investigativa mirando a família Bolsonaro, que nos últimos anos esteve no centro de apurações envolvendo, por exemplo, a prática de “rachadinha” e a articulação de milícias digitais.
Carlos Bolsonaro, que foi o principal responsável pela estratégia de campanha online na eleição presidencial de 2018, já tinha sido incluído em inquérito sobre disseminação de fake news, ainda durante o mandato do pai. Ele não se manifestou sobre as buscas desta segunda-feira.
A autorização para as buscas que foram solicitadas pela PF e tiveram parecer parcialmente favorável da PGR (Procuradoria-Geral da República) tem como base uma mensagem de 2020 em que uma assessora de Carlos pede, por meio de uma auxiliar de Alexandre Ramagem, então chefe da Abin, que levante informações sobre investigações contra o então presidente da República e seus filhos.
Na mensagem, a assessora Luciana Almeida diz: “Bom diaaaa Tudo bem? Estou precisando muito de uma ajuda”. Depois, ela envia outro texto com referência a inquéritos. “Delegada PF. Dra. Isabella Muniz Ferreira Delegacia da PF Inquéritos Especiais Inquéritos: 73.630 / 73.637 (Envolvendo PR e 3 filhos).”
Ramagem, que é próximo da família Bolsonaro e hoje é deputado federal, foi o principal alvo da operação anterior, realizada na última quinta-feira (25). A primeira operação sobre o caso foi realizada em outubro passado.
De acordo com a PF, os achados indicam que a família presidencial usava Ramagem para obter informações sigilosas.
Em fevereiro de 2020, por exemplo, o então diretor da Abin teria imprimido um relatório com “informações de inquéritos eleitorais em curso na Polícia Federal que listavam políticos do Rio de Janeiro”.
Em trecho da representação citado na decisão, a PF diz que informações sigilosas impressas por Ramagem eram “possivelmente para entregar aos destinatários do núcleo político”.
“A solicitação da ajuda se referia a investigações que envolveriam filhos do então presidente da República e deste mesmo. A autoridade representante enxerga no episódio o recurso do que chama de núcleo político do grupo do dr. Ramagem, para obtenção de informações sigilosas e/ou ações ainda não totalmente esclarecidas”, diz trecho da manifestação da PGR sobre o pedido de busca da PF.
Os policiais foram a Angra em um helicóptero da Polícia Rodoviária Federal, mas não encontraram ninguém da família Bolsonaro a princípio. O ex-presidente, Carlos e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) haviam saído de lancha para pescar, segundo aliados e a defesa do ex-presidente.
O local entrou na lista de buscas da PF após a descoberta de que Carlos estava na casa, de onde transmitiu uma live com o pai neste domingo (28), ao lado também de Eduardo Bolsonaro.
Desde março, a PF investiga a suspeita de que a gestão Bolsonaro tenha usado o software israelense FirstMile com o objetivo de espionar adversários políticos, além de a Abin ter abrigado ações de interesse privado da família presidencial.
No gabinete e no escritório político de Carlos, a PF apreendeu dez computadores, um aparelho celular e diversos documentos. Da casa na Barra da Tijuca, no mesmo condomínio em que o pai tem residência, foram levados dois computadores, dois aparelhos celulares, pendrives, uma caneta espiã e outros documentos. Da residência da família em Mambucaba, a PF levou um aparelho celular e três laptops.
Como mostrou a coluna Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, a casa estava vazia na manhã desta segunda quando a PF chegou ao local. Bolsonaro e seus filhos haviam saído para pescar e ainda não haviam retornado.
Imagens divulgadas pela GloboNews no final da manhã mostraram Bolsonaro e seus filhos do lado de fora da casa acompanhando a saída de agentes da PF que cumpriram as buscas.
Também foram alvos da operação endereços da assessora Luciana Almeida, da ex-assessora de Alexandre Ramagem Priscila Pereira e Silva, e do militar Giancarlo Gomes Rodrigues, que foi cedido à Abin durante a gestão de Ramagem.
Na casa de Rodrigues, em Salvador, a PF encontrou um computador do patrimônio da Abin.
Bernardo Fenelon, que é advogado de associação de profissionais da Abin e disse representar a esposa de Giancarlo, afirmou, em nota, “que o computador apreendido na casa [da] servidora pública federal da Abin era, em verdade, o seu aparelho funcional”.
A defesa afirma ainda que ela não era alvo do mandado e que a apreensão de seus bens foi ilegal.
Em live neste domingo, ao lado dos filhos Flávio, Carlos e Eduardo, Bolsonaro negou que tenha criado uma “Abin paralela” para espionar adversários. Já nesta segunda o ex-presidente disse à coluna Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, que a intenção da operação é a de “esculachar” com ele e sua família.
“A defesa entende que houve um excesso no cumprimento da busca e apreensão, ao passo que foram apreendidos objetos pessoais de cidadãos diversos do vereador Carlos Bolsonaro, apenas pelo fato de estarem no endereço em que a busca foi realizada”, diz nota assinada pelos advogados Paulo Amador da Cunha Bueno, Daniel Bettamio Tesser e Fábio Wajngarten.
Flávio e Eduardo também reagiram à operação, argumentando que a ação foi ilegal e cinematográfica.
Um assessor de Bolsonaro, Tercio Arnaud Tomaz, afirmou ter tido bens pessoais seus apreendidos indevidamente na operação.
A defesa do assessor encaminhou petição a Moraes pedindo a imediata devolução de um tablet e um laptop do seu cliente que teriam sido levados pelos policiais mesmo havendo esclarecimento de que eles não pertenciam a Carlos, alvo da operação.
Os advogados de Tércio afirmaram, também em nota, ser “inaceitável e inconcebível que terceiros, sem absolutamente qualquer tipo de relação com os fatos apurados, tenham seus bens apreendidos com base em maldosa e indecorosa interpretação de determinada ordem judicial específica”.
Tércio Arnaud estava na residência de praia da família Bolsonaro, durante a operação.
Eduardo Bolsonaro também se manifestou sobre o assunto em suas redes sociais. “O mandando era tão genérico que foi cogitado apreender o celular deste deputado federal e das demais pessoas que por ventura estivessem na residência”, escreveu.
A reportagem procurou a assessoria da Polícia Federal na noite desta segunda, mas não houve resposta até a publicação do texto.
Relatórios produzidos pela agência sob Bolsonaro e o uso do software espião FirstMile estão no centro da investigação da PF.
Os investigadores afirmam que oficiais da Abin e policiais federais lotados na agência monitoraram os passos de adversários políticos de Bolsonaro e produziram relatórios de informações “por meio de ações clandestinas” sem “qualquer controle judicial ou do Ministério Público”.
O programa espião investigado pela PF tem capacidade de obter informações sobre a localização aproximada das pessoas. Ele não grava conversas ou trocas de mensagens.
Além de Carlos, os policiais também investigam suposto uso da agência para favorecer Flávio e Jair Renan.
A PF afirma que a Abin sob Ramagem também se valeu do software FirstMile para monitorar o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e a ex-deputada Joice Hasselmann, ambos desafetos políticos de Bolsonaro.
FABIO SERAPIÃO, RANIER BRAGON, CAMILA ZARUR E CAMILA MATTOSO / Folhapress