BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Após os anos de turbulência durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a Polícia Federal teve momentos de maior calmaria na relação com o Executivo no primeiro ano sob Lula (PT), aproximou-se da Presidência e focou suas ações no combate a crimes ambientais e ao tráfico de drogas e armas –pautas prioritárias para o atual governo.
Andrei Rodrigues, o diretor-geral indicado por Lula, se valeu de sua proximidade com o presidente para alcançar pleitos antigos da corporação, como aumentar o número de diretorias e de cargos com gratificações. Foram criadas as diretorias de Ensino, Amazônia e Crimes Cibernéticos.
A de Ensino é comandada por uma mulher e tem a proposta de ampliar a participação feminina entre os delegados, peritos, agentes e servidores administrativos, além de incluir o debate sobre gênero, raça e orientação sexual na formação dos novos policiais.
Andrei também aumentou a participação dos policiais federais na segurança de autoridades, com a atuação na proteção presidencial.
Se por um lado a relação com Lula e o ministro da Justiça, Flávio Dino, resultou em ganhos para a corporação e à gestão de Andrei, por outro, no entanto, serviu como argumento para críticas sobre a atuação do diretor-geral.
Em especial quando Andrei se valeu de entrevistas e aparições públicas para comentar investigações em andamento. Internamente, no início da gestão e sob a tensão com o bolsonarismo, o diretor também foi criticado por vetar nomeações de delegados vistos como alinhados ao ex-presidente e lava-jatistas.
O primeiro ano de gestão de Andrei também significou uma reaproximação com o STF (Supremo Tribunal Federal), em especial com o ministro Alexandre de Moraes, com o reforço das equipes envolvidas nas investigações sobre o 8 de janeiro e nos inquéritos que miram Bolsonaro, como o das milícias digitais.
Essas investigações ficaram a cargo das diretorias de Inteligência Policial, a DIP, e de Combate ao Crime Organizado e Corrupção, a Dicor, e foram muito divulgadas pela PF ao longo do ano, como nas mais de 20 fases da operação Lesa Pátria.
Dando sequência a uma política interna da PF de mirar a descapitalização das organizações criminosas, entre as quais aquelas ligadas ao narcotráfico e milícias, a nova gestão conseguiu bons números e transformou o combate ao tráfico de armas e drogas em trunfo para o governo na segurança pública –área em que a gestão petista é criticada.
Em relação a organizações ligadas ao tráfico de drogas e milícias, as investigações em 2023 conseguiram apreender, de acordo com os dados da PF, ao menos R$ 2 bilhões, contra R$ 602 milhões em 2022. O número de armas apreendidas saiu de 2.033, em 2022, para 4.244 neste ano.
Como mostrou a Folha, a PF está revisando os números de descapitalização e apreensão de bens. Os atuais, porém, indicam como a corporação mirou o combate ao narcotráfico, facções e milícias.
A atuação se transformou em vitrine do governo e foi utilizada pelo ministro Flávio Dino em resposta às críticas pela crise no setor de segurança em alguns estados, como na Bahia e no Rio de Janeiro.
No Rio de Janeiro, investigações da PF resultaram na prisão de lideranças de milícias, como Luís Antônio da Silva Braga, 44, o Zinho, que se entregou após cinco anos foragido, de traficantes de armas e no avanço do caso Marielle.
Na Bahia, uma operação da PF resultou em desarticulação do grupo do homem apontado como maior traficante de armas da América do Sul e outras ações miraram as facções que atuam no estado.
No caso de crimes na Amazônia, cujo combate também é bandeira do governo, foram 138 operações e R$ 434 milhões em valores apreendidos somente na Amazônia Legal, foco da Damaz, a diretoria de Amazônia criada no início do ano. Em 2022, o número da atuação na área de crimes contra o meio ambiente, no país todo, foi de R$ 463 milhões apreendidos.
De acordo com os números da PF, a ação na Amazônia resultou na redução de 47,2% na área desmatada se considerado o corte raso, quando toda a área é devastada. E 17% no corte seletivo, quando a degradação é feita em partes.
No caso da segurança presidencial, a atuação nos bastidores de Andrei junto aos demais integrantes do governo foi intensa e fez frente à vontade do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) de manter o poder sobre a segurança pessoal do presidente e da primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja.
Ao final, Andrei não saiu totalmente vencedor, uma vez que parte da segurança retornou ao GSI, mas o embate serviu para a PF ganhar espaço dentro da Presidência.
Apesar do início tumultuado devido aos ataques do 8 de janeiro e do foco na atuação nas áreas de interesse do governo, em 2023, a PF não teve grandes turbulências causadas por investigações contra políticos, integrantes do governo ou grandes casos de corrupção.
No combate à corrupção, setor em que a PF ficou nacionalmente conhecida, os números, também sob revisão, mostram aumento em relação ao dado anterior.
A PF apreendeu até a segunda semana de dezembro R$ 168,2 milhões, contra R$ 88 milhões em 2022. O valor, porém, é bem abaixo do registrado em 2021, quando os dados atuais mostram R$ 510 milhões, e em 2020, quando o valor chegou a R$ 5,2 bilhões.
Duas operações mais sensíveis testaram a gestão de Andrei. A que mirou pessoas próximas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e a que investiga o ministro das Comunicações de Lula, Juscelino Filho.
A primeira foi anulada pela Justiça, o que impossibilitou seu prosseguimento. E a segunda aguarda um novo relator no STF para continuar.
Além desse tipo de operação, sempre capaz de trazer incômodos para a PF, a atual gestão ainda teria que lidar com a campanha por reestruturação salarial das carreiras internas no próximo ano.
Após passar os últimos anos do governo Bolsonaro prometendo manifestações por causa de perdas com reformas, delegados, agentes e peritos retomaram o discurso devido às negativas do governo em oferecer uma proposta de reajuste.
O assunto, no entanto, foi resolvido na quinta (28), quando o Ministério da Gestão e Inovação assinou um acordo que prevê reajuste escalonado em três parcelas entre 2024 e 2026.
MATHEUS TEIXEIRA E FABIO SERAPIÃO / Folhapress