ARACAJU, SE (FOLHAPRESS) – Ana Thaís Matos e Renata Mendonça deram início a uma mudança forte de paradigma na Globo. Primeiras comentaristas de transmissões de futebol da emissora, elas contam que sororidade por ali sempre foi palavra de ordem. As duas lutaram para abrir espaço para outras mulheres chegarem a este espaço, em momento especial agora com a Copa do Mundo feminina, que começa nesta quinta (20).
Não foi fácil. Assim como outras profissionais, elas sofreram por comentários de gente que rejeitava uma voz feminina em um ambiente historicamente machista. Existem avanços, mas o preço que elas pagam ainda é grande. “Tem duas frentes no meu caso. Tem o preço de você abrir portas, de ver tantas mulheres desfrutando disso depois. Isso é impagável, não tem como não falar disso. Mas tem o preço individual, que é o que eu carregos. Dos haters, de quem não gosta de seu trabalho. O preço é alto e é individual, mas coletivo ele é muito positivo”, comenta Ana à reportagem.
Renata admite que a porta aberta por Ana antes de sua chegada na Globo, no segundo semestre de 2019, facilitou um pouco alguns processos. O laço se fortaleceu. “Dentro do futebol masculino, eu pago menos o preço do que pago no futebol feminino, pela porta que a Ana abriu”, diz. Para Renata, Ana é uma “desbravadora” neste universo muitas vezes hostil para as mulheres.
Não estar sozinha neste momento fez toda a diferença. “Eu tinha alguém para compartilhar essa crueldade, que era principalmente a Ana Thaís. Parece coisa idiota, mas o fato de você não ir chorar mais sozinha no banheiro, de existir alguém que entende o que você tá passando. Eu digo que, hoje, a gente se tem. A gente compartilha a nossa dor e as nossas conquistas”, completou a comentarista.
Após a chegada das duas, a Globo aumentou em 62% a presença feminina na redação do Esporte. Vieram nomes como Alline Calandrini, Natália Lara, Renata Silveira, Isabelly Morais, Gabriela Moreira, entre outras. Uma das principais executivas esportivas da empresa atualmente é uma mulher: a diretora de eventos esportivos Joana Thimotheo.
A SEMENTE NO RESTO DA IMPRENSA
A chegada de Ana, e depois de Renata, abriu os olhos de concorrentes. É notório que há uma presença feminina maior em outras emissoras depois de a dupla aparecer nas transmissões em condições de igualdade com antigos ídolos da macharada que curte futebol.
Ana Thaís cita Mariana Spinelli, âncora do SportsCenter Manhã, da ESPN, como um exemplo de concorrente que merece sua admiração favor não confundir concorrente com “rival”. Ana, Maria e Renata Mendonça estão na Austrália, claro, para trabalhar na cobertura da Copa.
“Isso é bom para contar a história do futebol por um outro ponto de vista. Se até hoje, ela era contada majoritariamente pelos homens, agora temos uma nova visão, com mais mulheres. Não só aqui [na Globo], e isso é ótimo. A semente foi plantada e estamos colhendo os frutos”, comemora Ana.
A Copa da Austrália e da Nova Zelândia promete ser um divisor de águas para as mulheres e para o futebol feminino. Em 2019, Renata foi para o Mundial de futebol pelo Dibradoras, seu projeto de cobertura do futebol feminino. Agora, entrará ao vivo todos os dias em TV aberta e fechada, juntamente com Bárbara Coelho, para dar notícias da seleção brasileira.
“É uma realização. Hoje faço parte do grupo que vai contar essa história. Se em 2019 houve um início dessa mudança, agora temos a consolidação disso. Agora as pessoas sabem que vai ter Copa”, constata.
E O BRASIL?
A seleção brasileira só estreia na próxima segunda (24), em jogo contra o Panamá. O grupo ainda tem Jamaica e França. Por causa do bom desempenho dos últimos jogos, como a vitória contra a Alemanha por 2 a 1, Ana Thaís e Renata Mendonça estão otimistas. Ambas entendem que existem boas possibilidades de as comandadas de Pia Sunhage irem longe.
“O realista para mim é cair nas oitavas de final. A minha mais otimista é a cair na semifinal. O Brasil ser campeão do mundo hoje seria absurdo, seria incrível, ainda mais para coroar a vida da Marta. Hoje é muito difícil. Mas Copa do Mundo é Copa. É mata-mata. Marrocos chegou na semifinal em 2022. Tudo pode acontecer. A seleção criou uma confiança muito grande”, opina Renata.
“Eu estou empolgada. Antes eu achava que quartas de final era uma realidade palpável. Mas olhando, vendo a nossa reta final, acho que a Pia encontrou alguns recursos. Se o Brasil fizer uma campanha de chegar à final, não vou ficar surpresa. Acho que a gente só não é mais favorita por culpa do próprio Brasil. Não pela seleção, mas pela forma como conduzimos o futebol feminino até 2019”, conclui Ana Thaís.
GABRIEL VAQUER / Folhapress