SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – As pirâmides que ainda existem hoje no Egito estão posicionadas relativamente longe do rio Nilo, mas a situação era muito diferente quando elas começaram a ser construídas a partir de 4.700 anos atrás, indica um novo estudo. Análises geológicas sugerem que os monumentos, de início, margeavam um braço desaparecido do grande rio egípcio, provavelmente utilizado para carregar as matérias-primas das estruturas com mais facilidade.
A pesquisa, assinada por especialistas dos Estados Unidos, da Austrália e do Egito, defende que as pirâmides estavam alinhadas com esse “Nilo secundário” num traçado que vai de Gizé (perto do atual Cairo), onde ainda estão os mais famosos monumentos desse tipo, rumo ao sul, na localidade de Lisht, a 65 km da capital egípcia.
Detalhes sobre os achados estão em artigo na revista especializada Communications Earth & Environment. A equipe, liderada pela geógrafa egípcia Eman Ghoneim, que trabalha na Universidade da Carolina do Norte em Wilmington (EUA), usou técnicas de sensoreamento remoto para mapear o traçado do curso dágua, apelidado pelos cientistas de “braço de Ahramat” (“braço das pirâmides”). Depois, escavações revelaram características do solo que batiam com a ideia de que outrora um rio havia passado por ali.
Dados anteriores já indicavam que o fluxo do rio Nilo tinha sido mais abundante e “espalhado” na região milênios atrás. Antes que a civilização egípcia surgisse, afinal de contas, havia chuvas mais abundantes na região, fazendo com que a criação de gado fosse possível na área que se tornaria o deserto do Saara e produzindo um Nilo mais caudaloso que o atual. Escavações perto de Mênfis, antiga capital do Egito, mostraram a presença de ramificações do rio por ali.
No novo estudo, Ghoneim e seus colegas utilizaram dados de radar por satélite para investigar o solo entre o atual leito do Nilo e a região em volta das pirâmides. Em resumo, o que acontece é que as ondas de rádio do radar “batem e voltam” no subsolo de maneira diferente se, debaixo da areia do deserto, houver apenas rocha ou os sedimentos mais complexos e heterogêneos carregados por um antigo rio.
Ao analisar o padrão de “ricochetes” do radar, foi possível inferir a existência do braço de Ahramat, a qual foi confirmada com escavações que mostraram, por exemplo, a presença de camadas de lama avermelhada, cascalho e conchas de mariscos de água doce a seis metros de profundidade ou seja, o leito do antigo braço de rio.
A equipe calcula que o braço de Ahramat media 65 km de comprimento e margeava mais de 30 pirâmides, construídas entre o Antigo Império (2686 a.C.) e o Segundo Período Intermediário (1649 a.C.). O leito, que ficava a uma distância de até 10 km do atual curso do Nilo, chegaria a oito metros de profundidade, com largura entre 200 m e 700 m.
A disposição do braço de Ahramat também faz com que se torne mais lógica a distribuição espacial dos complexos monumentais formados não só pelas pirâmides, mas também por uma série de construções associadas a elas, a começar por templos mortuários, dedicados ao soberano morto em cuja honra tudo aquilo tinha sido construído.
Em geral, as pirâmides e os templos mortuários ficavam em terreno relativamente mais alto, ao qual se chegava por meio de rampas pavimentadas que podiam ter vários quarteirões de trajeto. Antes de as rampas começarem, havia um “templo do vale”, numa área mais baixa. Os dados do novo estudo indicam que muitas das rampas tinham um trajeto perpendicular ao braço de Ahramat e terminavam justamente na beira do curso dágua. As informações de satélite, por isso, podem ser úteis na descoberta de “tempos do vale”, que ainda não foram achados na região.
Segundo os pesquisadores, o braço de Ahramat provavelmente desapareceu gradualmente com o deslocamento do fluxo do Nilo cada vez mais para o leste, causado por alterações geológicas (como terremotos) comuns na região do mar Vermelho, que afetaram o Egito.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress