BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Relatório do Coaf indica que Jair Bolsonaro (PL) recebeu pagamentos de R$ 5 mil a R$ 20 mil de 19 pessoas e empresas, incluindo o locutor de rodeios Cuiabano Lima, o ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Admar Gonzaga Neto e o empresário Marcos Ermírio de Moraes, herdeiro do Grupo Votorantim.
Como revelou a Folha, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) afirmou que o ex-presidente recebeu R$ 17,2 milhões em transferências via Pix entre os dias 1º de janeiro e 4 de julho, e sugeriu relação com a vaquinha aberta no mês passado para o pagamento de multas com a Justiça.
Segundo o conselho, houve 769 mil transações via Pix na conta bancária de Bolsonaro neste período. O documento lista apenas o nome dos 20 maiores doadores, e não deixa claro se todos os pagamentos foram feitos via Pix ou transferência bancária.
Admar Gonzaga Neto, que chegou a atuar como advogado de Bolsonaro, transferiu R$ 5 mil para a conta do ex-chefe do Executivo.
Gonzaga disse à Folha que transferiu o dinheiro via Pix para “ajudá-lo a pagar a multa relacionada ao uso da máscara”. Ele foi ministro do TSE de 2013 a 2019, sendo titular da corte nos últimos dois anos de mandato.
“Lamentável é o vazamento de dados financeiros para a imprensa. Vocês obtiveram autorização judicial? Estamos vivenciando uma inquisição moderna”, disse Gonzaga.
O bilionário Marcos Ermírio de Moraes fez uma transferência de R$ 10 mil.
Procurado pela reportagem, ele afirmou que a informação não acrescenta nada na vida dos brasileiros. “O que essa informação acrescenta na vida de nós brasileiros? Nada né, então bom fds [final de semana]”, respondeu.
Moraes foi candidato a segundo suplente de senador em 2022, em Goiás, pelo PSDB, na chapa encabeçada pelo ex-governador Marconi Perillo. O herdeiro do Grupo Votorantim declarou R$ 1,2 bilhão em bens ao TSE.
O Grupo Votorantim afirmou em nota que, “embora membro integrante da família controladora, [Marcos Ermírio de Moraes] não possui nenhum cargo, tampouco participa, direta ou indiretamente, dos negócios das empresas controladas pela Votorantim S.A”.
O grupo disse ainda que “não possui representantes de quaisquer de suas empresas envolvidas em esferas políticas”. “O Código de Conduta da companhia, vigente desde 2004, oficializa a exigência de total dissociação entre o exercício do direito individual da atividade política e a atuação de seus representantes na gestão dos negócios”, afirmou.
Um valor de R$ 10 mil foi repassado a Bolsonaro pelo locutor de rodeios Cuiabano Lima, amigo do ex-presidente.
O locutor foi um dos principais articuladores de Bolsonaro junto aos cantores sertanejos. Ele chegou a fazer campanhas publicitárias para a Caixa Econômica Federal durante a pandemia, e teve o valor do cachê mantido sob sigilo pelo banco.
A assessoria de Cuiabano não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem até a publicação deste texto.
Nesta sexta-feira (28), os advogados de Bolsonaro afirmaram que a divulgação dos pagamentos “consiste em insólita, inaceitável e criminosa violação de sigilo bancário, espécie, da qual é gênero, o direito à intimidade, protegido pela Constituição Federal no capítulo das garantias individuais do cidadão”.
A defesa do ex-presidente disse que os valores repassados via Pix “são provenientes de milhares de doações” feitas por apoiadores de Bolsonaro. “Tendo, portanto, origem absolutamente lícita.”
Os advogados afirmaram, na mesma nota, que vão tomar “providências criminais cabíveis para apuração da autoria da divulgação de tais informações”.
A relação de pessoas físicas de quem Bolsonaro recebeu de R$ 5 mil a R$ 20 mil inclui ainda outros empresários e advogados, militar, pecuarista, agricultor, estudante e duas pessoas identificadas como “do lar”.
Também há três empresas, sendo que só uma delas depositou R$ 9.647 na conta do ex-presidente em 62 lançamentos. O documento indica ainda duas transferências do PL, partido de Bolsonaro, no total de R$ 47,8 mil.
O montante de transações recebidas via Pix -R$ 17.196.005,80- corresponde a quase todo o valor movimentado por Bolsonaro no período nesta conta, de R$ 18.498.532.
Apoiadores mobilizaram uma campanha de pagamentos a Bolsonaro após o presidente receber multas e ter valores em contas bloqueados. A Justiça de São Paulo, por exemplo, determinou o bloqueio de valores por ele não ter usado máscara durante a pandemia de coronavírus.
Galeria Sem máscara, Bolsonaro participou de eventos na pandemia O presidente afirmou nesta terça-feira (7) que contraiu o novo coronavírus https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1671591080280616-bolsonaro-contrai-coronavirus-apos-minimizar-pandemia#foto-1671591080900075 *** “No período chamou a atenção o montante de Pixs recebidos em situação atípica e incompatível. Esses lançamentos provavelmente possuem relação com a notícia divulgada na mídia”, diz trecho do relatório fiscal citando uma reportagem publicada no dia 2 de julho.
O documento do Coaf aponta as cifras de R$ 195.559 e R$ 30.698 como “bloqueio judicial”. O órgão também indica que Bolsonaro recebeu R$ 230.366 em proventos nos seis primeiros meses deste ano.
No início do mês, Bolsonaro afirmou que já tinha recebido o suficiente para pagar todas as multas, mas não revelou os valores. Ele disse que “a massa” havia feito doações entre R$ 2 e R$ 22 -número do PL, seu partido.
“Foi algo espontâneo por parte da população. O Pix nasceu no nosso governo. Já foi arrecadado o suficiente para pagar as atuais multas e a expectativa de outras multas. O valor a gente vai mostrar brevemente. Agradeço a contribuição, mesmo sem ser a pedido. A massa contribuiu entre R$ 2 e R$ 22.”
As informações foram enviadas para a CPI do 8 de janeiro com dados de outras pessoas ligadas a Bolsonaro, atualmente na mira de várias investigações na esfera criminal, a maioria relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
A chave Pix do ex-presidente foi divulgada por parlamentares e ex-integrantes do governo, como os ex-ministros Gilson Machado e Fabio Wajngarten, e os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG), federal, e Bruno Engler (PL-MG), estadual.
Já Bolsonaro publicou em suas redes sociais um trecho da nota do Banco Central em que a instituição afirma que “as especificações, o desenvolvimento do sistema e a construção da marca (Pix) se deram entre 2019 e 2020, culminando com seu lançamento em novembro de 2020”.
O presidente também destacou a autonomia do Banco Central, aprovada pelo Congresso Nacional em 2021, e disse que, em seu governo, os usuários do Pix nunca foram cobrados -ignorando a cobrança feita por bancos a pessoas jurídicas desde o lançamento da ferramenta.
THAÍSA OLIVEIRA E MATEUS VARGAS / Folhapress