BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Integrantes do governo Lula (PT) reconhecem nos bastidores que Jair Bolsonaro (PL) surpreendeu ao mobilizar aliados, como governadores e prefeitos, durante o ato que reuniu milhares de pessoas na avenida Paulista, em São Paulo.
Alguns auxiliares de Lula afirmam terem ficado surpresos com a presença de políticos que vinham apresentando sinais de moderação ou que vinham mantendo um canal de diálogo com o Palácio do Planalto.
Diante desse diagnóstico, a equipe de Lula adotou a estratégia de ignorar ou pelo menos minimizar os impactos da manifestação.
Nesta segunda-feira (26), um dia após o ato na capital paulista, integrantes do governo Lula desviaram do tema. A intenção é não dar mais visibilidade para a manifestação bolsonarista.
O presidente Lula evitou responder uma pergunta de jornalista sobre o assunto. Já o ministro Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação Social da Presidência) buscou minimizar a situação, afirmando que esteve mais preocupado com a rodada do futebol no domingo do que com o protesto.
“Só sei que os vermelhos ganharam tudo ontem. O Liverpool ganhou, o Inter ganhou, o Flamengo ganhou. Só deu vermelho ontem”, afirmou.
Rui Costa (Casa Civil) apenas disse que a mobilização esteve aquém do que era esperado pelos organizadores e que grande parte das pessoas que estavam lá seguiu o chamado de pastores religiosos. Ele também ironizou que a maior surpresa foi um suposto reconhecimento de cometimento de crime por Bolsonaro durante seu discurso.
Interlocutores de Lula dizem que era natural uma reação de Jair Bolsonaro diante das investigações da Polícia Federal. Eles também destacam que o ex-presidente ainda detém um considerável capital político. Mas ponderam que desde o início estava claro que essa demonstração de força não teria o poder de mudar o curso das apurações em curso contra o ex-presidente.
Por outro lado, pessoas próximas a Lula manifestaram contrariedade com alguns integrantes da classe política que marcaram presença na manifestação. A principal preocupação foi com lideranças políticas que eram consideradas, pelo Planalto, mais pragmáticas e distantes do bolsonarismo mais ideológico. Um conselheiro do presidente afirmou que alguns “optaram por estar em um lado” e esse lado é o “dessa organização criminosa”.
A fala reflete um sentimento de que havia esperança de que o ato fosse mais esvaziado de nomes políticos de peso. Uma das surpresas negativas para a equipe de Lula foi a presença do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), que nos últimos meses manteve diálogo com o governo federal para avançar projetos de interesse de seu estado.
Também chamou a atenção a postura de Tarcísio de Freitas (Republicanos). Por um lado, a sua participação era esperada, considerando que ele foi eleito com o apoio de Bolsonaro e a manifestação ocorreu em São Paulo. Por outro, auxiliares do petista não contavam com uma posição de destaque para Tarcísio e muito menos um discurso lembrando o “legado” de Bolsonaro e com críticas indiretas a Lula.
“Um presidente que sempre respeitou Israel e a luta de seu povo”, afirmou o governador, numa fala que foi lida como uma estocada em Lula.
O Brasil vive atualmente uma crise diplomática com Israel, após Lula ter comparado a ação militar israelense na Faixa de Gaza com o Holocausto.
Além de Tarcísio e Caiado, participaram os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), além da vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP). Outro participante foi o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que busca a reeleição.
O Palácio do Planalto afirma nos bastidores que não pretende mudar a relação que mantém com esses governadores, mesmo após a participação na manifestação.
Assessores de Lula buscam novamente minimizar a questão, lembrando que Jair Bolsonaro fez um grande esforço no segundo semestre do ano passado, mas não conseguiu barrar a tramitação e aprovação da reforma tributária. Segundo esses auxiliares de Lula, fatos como esse mostram a real força do bolsonarismo, e não uma foto com aliados em uma manifestação.
Bolsonaro reuniu governadores, parlamentares e milhares de apoiadores em um ato na avenida Paulista, no domingo (25). A manifestação de força acontece justamente no momento em que avançam as investigações contra Bolsonaro e seus aliados a respeito de uma trama golpista para mantê-lo no poder.
Acuado pelas investigações, Bolsonaro buscou maneirar um pouco no tom de sua fala. Não desferiu a sua tradicional agressividade contra o STF, falou em pacificação, disse que as eleições presidenciais de 2022 eram “página virada da nossa história” e pediu anistia aos presos pelo ataque golpista de 8 de janeiro de 2023.
O ex-presidente também negou a existência de uma trama golpista.
“O que é golpe? É tanque na rua, é arma, conspiração. Nada disso foi feito no Brasil”, disse. “Agora o golpe é porque tem uma minuta do decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenha paciência”, afirmou o ex-presidente diante de seus apoiadores.
As críticas à manifestação foram verbalizadas sobretudo por membros do PT, que rebateram a defesa feita por Bolsonaro de que o Parlamento aprove um projeto para anistiar condenados por participação no 8 de janeiro. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), rechaçou essa hipótese, assim como o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
“Não pode ter anistia. Não vamos dar anistia para quem cometeu crime contra a democracia”, disse Guimarães.
O deputado também reclamou da participação de governadores no ato na avenida Paulista e disse que eles são “cúmplices de uma tentativa de golpe”.
RENATO MACHADO, JULIA CHAIB E MARIANNA HOLANDA / Folhapress