Planet Hemp celebra 30 anos com histórico de defesa da legalização da maconha

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A primeira fumaça feita pelo Planet Hemp subiu para a cabeça em 1993, depois de um encontro de Marcelo D2, na época Marcelo Maldonado, com Luís Antônio Machado, o Skunk, no bairro do Catete, um pedaço do Rio de Janeiro que já foi famoso pela sua boemia. Na época vendedor ambulante de camisas de rock, Marcelo vestia uma estampa da banda punk Dead Kennedys, que inspirou uma conversa da qual sairiam duas grandes revoluções, uma em forma de amizade e outra em forma de banda.

Entre lá e cá, foram muitas intercorrências e trocas na formação da banda, mas é fato que o Planet Hemp atravessou os anos mantendo sua relevância e também o carinho do público. Hoje, a banda se apresenta no palco do Espaço Unimed, em São Paulo, para a gravação do especial “Baseado em Fatos Reais: 30 Anos de Fumaça”, comemorando três décadas do lançamento de seu primeiro disco, “Usuário”, principal fruto daquele encontro no Catete.

Em 1993, o problema era que nenhum dos dois sabia operar instrumentos de punk rock, o ritmo que primeiro os uniu. Seria rap então, letra sobre batida. A partir da dupla, não demorou para que o grupo ganhasse mais alguns músicos: Rafael Crespo na guitarra, Formigão no baixo e Bacalhau na bateria completaram a formação original, mesclando a psicodelia das guitarras com raps no vocal, um novo ritmo batizado de “Raprocknrollpsicodeliahardcoreragga”, ou simplesmente o som do Planet Hemp.

“Tudo deu certo muito rápido, nosso primeiro show em São Paulo foi com três meses de banda, e com seis já estávamos abrindo shows e tocando no Circo Voador. Naquela época, rolava uma cena interessante com muitos bailes de música alternativa, onde tocava Rage Against the Machine, Cypress Hill e Nirvana. Pouco depois da primeira vez que subi em um palco, já fiquei meio famoso, falavam comigo na rua”, conta D2, que passou a ser reconhecido como “aquele maconheiro do Planet Hemp”.

Ninguém do grupo sabia, mas nessa época Skunk já tinha recebido o diagnóstico de Aids e pedido demissão de um emprego com o objetivo de viver seus últimos dias intensamente. Ele morreria no ano seguinte, em decorrência da doença, impulsionando o primeiro flerte da banda com o seu próprio fim. O vocal acabou sendo assumido por BNegão, que já era próximo, e dessa união saiu o “Usuário” que agora completa 30 anos.

“Depois da morte do Skunk nós tínhamos certeza de que queríamos fazer um disco, mesmo que fosse só pra gente, uma homenagem a ele”, conta Marcelo. Os músicos logo foram surpreendidos pelo estouro do Raimundos, que furou a barreira puritanista das rádios e colocou no ar um disco homônimo com músicas como “Puteiro em João Pessoa”, com letras cheias de palavrões e conteúdo sexual. A mão invisível do mercado parecia estar passando a bola para o Planet Hemp.

“O auge nessa época era gravar uma ‘fita demo’ [gravação amadora, para avaliação das gravadoras], porque começamos em um momento que não existia muita coisa como a gente. As bandas grandes não conseguiam vender disco, e nós conseguiríamos?”, relembra BNegão. “Mas depois dessa história todo mundo ficou procurando um novo Raimundos, com medo de perder um estilo que poderia dar certo de novo.”

Em uma reunião de bar na porta da Sony, ainda na gestação do “Usuário”, o grupo debateu como resistiria ao controle das gravadoras na hora de tirar o disco do papel, um medo comum principalmente entre as bandas com letras mais ousadas. Na época, o debate sobre a legalização da maconha engatinhava e era combatido por grande parte da opinião pública brasileira.

“Demorou mais de um ano para as rádios começarem a tocar, ninguém tinha coragem de apoiar um som falando de maconha e polícia”, diz Bernardo. “Depois começamos a ter várias oportunidades, tudo na velocidade da luz.”

Daí nasceu o disco “Usuário” e o resto é fumaça. Vieram a público músicas que se tornariam clássicas como “Mantenha o Respeito”, “Legalize Já” e “Dig Dig Dig (Hempa)”, já com as participações de Gustavo Black Alien no vocal.

A crítica social que se tornaria identidade da banda nasceu com letras contra a guerra às drogas, a corrupção na política e a violência policial. De lá pra cá, a banda se manteve como o principal ativismo brasileiro em prol da legalização.

Em 1997, dois grandes marcos chegariam para o Planet Hemp. O primeiro foi o lançamento de um segundo disco, “Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára”, numa época em que BNegão decidiu se dedicar a um projeto solo e foi substituído por Black Alien nos vocais.

A segunda surpresa foi a prisão da banda, durante a turnê de lançamento em Brasília, sob acusação de fazer apologia às drogas. Os músicos foram detidos depois de um show no Minas Brasília Tênis Clube, no caminho entre o palco e o camarim, e ficaram presos durante 5 dias. A banda recebeu apoio da classe artística e foram visitados pelos deputados federais Fernando Gabeira e Eduardo Suplicy, além de músicos como Caetano Veloso e Gilberto Gil. Ironicamente, o juiz Vilmar José Barreto Pinheiro, que mandou prender a banda, foi afastado do cargo em 2013 sob suspeita de receber propina de traficantes.

“A ideia do Planet Hemp era tocar o terror mesmo, testar o limite. A gente sabia que, em algum momento, ia dar problema”, brinca D2. “O cara com um porsche vai beber, vai matar, e não vai ser preso. Se for um moleque de periferia, se for preto, ele vai ser preso. É o que acontece no Brasil”, completa.

Ironia ou não, o mesmo ano que marcou o aniversário de 30 anos de “Usuário” trouxe também uma vitória para a pauta da descriminalização, depois de nove anos de julgamento. A maioria do Supremo Tribunal Federal, o STF, decidiu estabelecer uma diferença entre traficante e usuário de maconha, fixada em 40 gramas, inaugurando uma disputa de poder com o Congresso. Com maioria conservadora, a casa pautou uma contraproposta para criminalizar o porte de qualquer tipo de droga no Brasil, causando dúvidas sobre o que valerá no futuro.

“[A descriminalização] é um debate que tem muito mais a ver com saúde, com segurança pública e com os direitos humanos. Está sendo colocado como pauta de costume porque é conveniente em um momento em que estamos vendo uma ascensão brutal do pensamento fascista”, diz o produtor Daniel Ganjaman, que participou do disco “A Invasão do Sagaz Homem Fumaça”, de 2000, e também produziu o show de 30 anos de “Usuário”.

O Planet Hemp reconhece que, nos shows, os fãs envelheceram. A forma de ouvir música hoje também desfavorece a revolta, com o amplo acesso transformando tudo em mainstream. Os integrantes do grupo enxergam isso como um caminho natural enquanto, por trás da fumaça, a banda continua lutando para “ser o diferente”.

“Quando a gente parou para fazer o ‘Jardineiros’ [disco de 2022], percebemos que ainda temos muita força juntos, são várias cabeças pensantes e agora mais maduras. O Planet é um lugar para o qual a gente se sente honrado e grato de voltar”, diz Marcelo.

“Uma vez fui entrevistar o [José] Mujica, no Uruguai, e ele me disse que as leis não importam, o que importa é a cabeça da população. Essa discussão não é honesta quase que no mundo inteiro, mas essa hipocrisia foi caindo e nós estamos rodeados de países que estão muito à frente da gente, a América do Sul já está quase toda legalizada, América do Norte e Europa também”, conclui.

De volta ao presente, a formação atual do Planet Hemp se prepara para condensar a jornada de três décadas que influenciou não somente o cenário musical brasileiro, mas também o tecido social e político do país. O show terá participações especiais como Seu Jorge, Emicida, Criolo, BaianaSystem, Black Alien e muitos outros.

GRAVAÇÃO DE DVD: BASEADO EM FATOS REAIS, PLANET HEMP 30 ANOS DE FUMAÇA

– Quando 11/07. Abertura da casa às 19:30h, início do show às 21:30h

– Onde Espaço Unimed -r. Tagipuru, 795, São Paulo.

– Preço R$ 120

– Classificação 18 anos.

NICOLLAS WITZEL / Folhapress

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