BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O programa de realocação da Braskem para a população afetada pelas minas que correm risco de desabar em Maceió (AL) relegou parte dos moradores da região a uma espécie de isolamento social.
Pelo menos desde 2021, órgãos e entidades alertam para o problema, tecnicamente chamado de “ilhamento social”, das comunidades conhecidas como Flexal de Baixo e Flexal de Cima, além de outras aos seus arredores, e que não foram contempladas pelos planos da empresa.
“De forma direta e sem possibilidade de reversão, tais populações estão submetidas a condições de isolamento que determinará a incapacidade do exercício da vida em sua plenitude, como também, da condição de cidadãos”, afirmou a Defesa Civil em um relatório elaborado junto à Prefeitura de Maceió à época e obtido pela reportagem.
Procurada, a Braskem afirmou que “a região ocupada é constantemente monitorada e não há estudos que indiquem a necessidade de desocupação dessas áreas”.
As duas comunidades do Flexal ficam a cerca de 1 km da mina 18 da Braskem, o epicentro do risco de desabamento que, nas últimas semanas, causou estado de alerta na capital alagoana.
Há alguns anos, já com o risco da ruína, a petroquímica criou um programa de realocação da população nos arredores da mina, mas não contemplou essa região.
O deslocamento dos moradores inseridos no plano resultou em uma área de cidade fantasma, que separa os dois bairros do restante de Alagoas.
Os efeitos disso, segundo os relatórios produzidos nos últimos anos, foi uma brusca queda nas condições socioeconômicas e também de saúde mental de seus moradores.
O documento ressalta ainda que a área não sofre riscos sísmicos -motivo pelo qual não foi inclusa no plano da Braskem-, mas alerta que o ilhamento “irá levar a população ao sofrimento extremo”.
“Ali não tem mais transporte, acesso à educação, saúde, nem transporte de aplicativo chega, porque o local é interditado. Farmácia, padaria, mercado o comércio acabou”, diz o defensor público do estado, Ricardo Melro.
A mina 18 é uma das 35 que vinham sendo usadas pela Braskem para explorar sal-gema em Maceió. A operação foi interrompida em 2019, após os primeiros problemas com tremores de terra, e a empresa se comprometeu a fechar todas elas.
Segundo a companhia, o plano de fechamento das minas está 70% concluído, com previsão para ser finalizado em 2025. A mina 18 estava em processo de fechamento “devido à movimentação atípica do solo”, paralisando todas as atividades da empresa na região.
Na mina 18, a previsão era ocupar a cavidade com areia, assim como em outras oito minas. Nesse procedimento, após preencher a cavidade, o poço é fechado com cimento. Em outras cinco, a empresa afirma que houve preenchimento natural, com resíduos do subsolo.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o IMA-AL (Instituto do Meio Ambiente de Alagoas) multou a empresa em R$ 2 milhões por supostamente ter omitido, por cerca de um mês, os alertas de colapso da mina -a petroquímica nega.
Nesta quarta-feira (6), moradores de Maceió fizeram um protesto contra a empresa. Cinco bairros precisaram ser desocupados no município -Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Farol e Mutange.
Bom Parto, inclusive, só foi incluído nos planos de relocação da Braskem recentemente, após decisão da Justiça, já sob a iminência de colapso das minas.
No relatório de 2021, a Defesa Civil pediu a inclusão das comunidades de Flexal no programa. No início do mês, moradores da comunidade organizaram um protesto pela situação em que se encontram.
“[Houve uma] brusca redução de mais de 40% dos equipamentos socioeconômicos disponíveis anteriormente em todo o Flexal, e os demais equipamento estão sendo desativados paulatinamente”, diz o relatório.
O documento ainda ressalta que a população é majoritariamente de baixa renda, inclusive beneficiários do programa Bolsa Família.
“[As pessoas] estão ficando sem acesso aos equipamentos e políticas públicas necessárias a manutenção da vida em comunidade”, continua o texto, elaborado após estudos feitos no primeiro semestre de 2021.
Posteriormente, no entanto, os Ministérios Públicos estadual e federal, a Defensoria Pública da União e a prefeitura do município, coautora do relatório, cobraram da empresa a implementação de medidas socioeconômicas para a região, inclusive um pagamento às famílias, mas sem realocação.
“O pagamento é feito às famílias que moram na região, que possuem comércio ou empresa e também para proprietários de imóveis desocupados nos Flexais. O programa prevê um total de 1.776 propostas financeiras e registra a adesão de 99,8% dos moradores da área. Até o momento, 1.724 propostas foram apresentadas, das quais, 1.672 já pagas”, disse a empresa, em nota.
O acordo prevê ainda que serão feitas obras na localidade, durante dois anos, para “requalificação” da área.
O acordo é questionado pela Defensoria Pública do estado.
Ela afirma que a decisão ignorou, por exemplo, um estudo antropológico encomendado pelo MPF que aponta que quase 80% da população da região gostaria de ser realocada. Também diz que os imóveis da região passaram a valer um quinto do valor original, como consequência do isolamento.
A Defensoria ainda questiona o valor pago às famílias, de R$ 25 mil, e diz que não é uma medida efetiva de indenização financeira.
Afirma que, devido à vulnerabilidade social e a impossibilidade de muitos dos moradores aguardarem dois anos pelo resultado das obras de melhoria na área, o montante acaba sendo aceito, o que beneficia a empresa, que passa a figurar como se tivesse quitado sua dívida com a população.
“No contrato, diz que se em dois anos a situação não se resolver, volta-se a se discutir o assunto. Essas pessoas são cobaias?”, questiona o Melro.
A Defesa Civil de Maceió afirmou, em boletim referente às 16h desta quinta, que o afundamento acumulado da mina é de 2,02 metros. Disse ainda que o deslocamento vertical ocorre sob a velocidade de 0,21 cm/h, apresentando um movimento de 5,2 cm nas últimas 24 horas.
O órgão permanece em alerta devido ao risco de colapso da mina de número 18, localizada na região do antigo campo do time de futebol CSA, no bairro Mutange. E recomenda que a população não circule na área desocupada enquanto as medidas de controle e monitoramento são aplicadas.
JOÃO GABRIEL / Folhapress