BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A estimativa de 1 bilhão de euros (cerca de R$ 5,4 bilhões) anunciada durante a visita do presidente da França, Emmanuel Macron, ao Brasil em março para o plano de investimentos em bioeconomia na amazônia é considerada conservadora por Rémy Rioux, diretor-geral da AFD (Agência Francesa de Desenvolvimento).
Na largada do programa, a instituição firmou acordos com bancos brasileiros de fomento, como BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e Basa (Banco da Amazônia), para captar 300 milhões de euros (em torno de R$ 1,6 bilhão) para financiamentos de projetos verdes.
Nos próximos quatro anos, prevê outros empréstimos e doações e tem a ambição de ajudar a alavancar investimentos privados. A ideia é tirar do papel iniciativas positivas tanto para o clima quanto para inclusão social, desde que passem pelo filtro de desenvolvimento sustentável da AFD.
“Se os projetos não tiverem essas duas qualidades, não criam valor de longo prazo e, então, deveriam ser feitos de forma diferente ou abandonados”, diz Rioux à Folha de S.Paulo.
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Pergunta – Qual é o papel da AFD no programa lançado na visita de Macron?
Rémi Rioux – Somos um ator para implementar os compromissos políticos do pacto. Primeiro, há um compromisso de atenção e de respeito aos guardiões da floresta. Temos diversos programas nesse sentido, que buscam se apoiar sobre conhecimentos tradicionais. Segundo, um compromisso de trabalhar sobre as cadeias de valor, pois a destruição da floresta é responsabilidade de nossos modos de consumo e de produção.
Anunciamos o compromisso de 1 bilhão de euros, que passa pela cooperação entre a AFD e bancos públicos de desenvolvimento brasileiros. Anunciamos dois primeiros financiamentos, um com o BNDES e outro com o Banco da Amazônia (Basa), que alavancarão financiamentos desses bancos e financiamentos privados, com uma metodologia muito rigorosa para ajudar a tornar as cadeias de valor mais verdes.
Viemos nos colocar a serviço do Brasil, que tem o talismã da governança mundial por dois anos, com as presidências do G20 em 2024, dos Brics e da COP [conferência do clima da ONU] em 2025.
P. – Qual é a parcela da AFD no plano de 1 bilhão de euros e quais os meios de financiamento privilegiados?
R. R. – A parte da AFD neste estágio é da ordem de 300 milhões de euros. São empréstimos para bancos públicos. Haverá também uma parte de doações. A isto devem ser somados os compromissos financeiros dos próprios bancos brasileiros e a alavancagem dos financiamentos privados.
Eu diria que a estimativa de um bilhão de euros é até mesmo relativamente conservadora. A ideia é lançar uma dinâmica com outros parceiros como Alemanha e Noruega para que outros bancos se juntem a nós.
P. – E quanto a subsídios?
R. R. – Ainda temos problemas orçamentários a serem resolvidos na França, mas o essencial será sob a forma de empréstimos, acompanhados de subvenções para melhor preparar os projetos. São empréstimos da AFD, então, temos prazos e taxas de juros que muitas vezes são mais vantajosas do que financiamentos privados.
P. – Quais tipos de projetos em prol da bioeconomia são considerados?
R. R. – A AFD trabalha no Brasil desde 2007 e já investimos mais de 3,5 bilhões de euros (quase R$ 20 bilhões), com ótimas perspectivas para o futuro. Há um grande polo sobre desenvolvimento urbano e outro sobre gestão de recursos hídricos, que é uma dimensão da bioeconomia. Os programas endereçados aos povos indígenas, tudo relacionado à conservação das florestas.
Temos também um trabalho a fazer com os brasileiros sobre a gestão dos mercados de carbono. É preciso fazer uma contribuição pública, já que hoje esses mercados são essencialmente privados. O que fazemos com os bancos públicos de desenvolvimento será necessário para financiar as infraestruturas desses mercados e fortalecer os princípios aplicáveis, para comprar créditos de carbono em nome dos governos e para gerar créditos de carbono de qualidade.
O bilhão de euros de financiamento poderia ser imaginado igualmente para projetos que gerem créditos de carbono, que em seguida poderiam ser comprados por empresas e estados no âmbito de seus compromissos de neutralidade de carbono para projetos de conservação, de descarbonização e de melhor gestão da biodiversidade do clima.
P. – Quem faz a escolha dos projetos?
R. R. – Nunca somos nós mesmos que escolhemos os projetos. A lógica é nunca impor nossas escolhas a nossos parceiros. A ideia é compreender os desafios de um território complexo como a floresta amazônica e apoiar os projetos liderados por atores locais.
Obviamente não a qualquer custo, validando-os e passando-os pelo crivo do nosso parecer de desenvolvimento sustentável, um procedimento de filtro interno da AFD que avalia os projetos e permite reter aqueles de melhor qualidade e descartar aqueles que não teriam os componentes esperados de um projeto de desenvolvimento sustentável.
P. – Quais são esses componentes?
R. R. – Há um debate internacional sobre clima ou desenvolvimento. É preciso superar essa tensão. Não se trata de realizar projetos que sejam bons para o planeta, mas prejudiciais para as populações por não serem socialmente sustentáveis. Trata-se de implementar a agenda que o Brasil e a América Latina propuseram ao mundo, que visam conciliar dimensões econômicas, sociais e ambientais.
Os bancos públicos de desenvolvimento podem ajudar a superar essa tensão, mostrando que podemos encorajar projetos que sejam bons para o clima e também para inclusão social. Se os projetos não tiverem essas duas qualidades, não criam valor de longo prazo e, então, deveriam ser feitos de forma diferente ou abandonados.
É essa discussão que queremos levar à presidência do G20. Se os governos exigirem que todos os bancos públicos tenham as metodologias corretas, isso significa US$ 2,5 trilhões por ano em investimentos de alta qualidade, ou seja, 15% do total de investimentos no mundo, públicos e privados, a cada ano. Isso sem considerar o efeito de alavancagem sobre os investimentos privados.
Se colocarmos em prática essa máquina de investimento público na direção certa, temos capacidade de enfrentar esse desafio.
P. – Vê esse tipo de iniciativa como mais eficaz do que doações para um fundo?
R. R. – Subvenções são necessárias sobretudo para ações de combate à extrema pobreza, despesas na área da saúde e da educação, cuja rentabilidade é dilatada. É preciso acrescentar a agenda de investimento público, com financiamentos de longo prazo e mais baratos.
Estamos redescobrindo que, entre os governos e o setor privado, existem intermediários, instituições que fazem uma ponte entre o curto e o longo prazo, e entre o social, o ambiental e o econômico.
P. – Como incentivar o setor privado a somar esforços?
R. R. – É necessário encontrar maneiras de reorientar os fluxos financeiros. Uma forma simples é fazer crescer o balanço dos bancos públicos. A AFD emite no mercado financeiro cerca de 10 bilhões de euros de obrigações por ano. São títulos financeiros que vendemos no mercado. Com esse dinheiro, vamos investir na floresta e no clima ao redor do mundo.
Outra maneira do lado financeiro é acompanhar os investidores privados. É isso o que fazemos ao assumir parte do risco deles. Não diria o risco em sua totalidade. Mas podemos fornecer garantias e suporte técnico para que os investidores privados ganhem confiança e se dirijam à bioeconomia.
Outro aspecto é apoiar os portadores de projetos e as redes de inovação. É preciso uma máquina que dê origem a um número muito maior de projetos de energia renovável, de manejo florestal sustentável, de água e saneamento básico. Caso contrário, todos os investidores estão sempre nos mesmos projetos e isso cria bolhas financeiras. Precisamos dos bancos nacionais e até mesmo dos bancos de nível estadual.
P. – Como vê a parceria público-privada no plano lançado no Brasil?
R. R. – Os grandes países emergentes podem demonstrar ao resto do mundo que é possível criar parcerias público-privadas “ganha-ganha”, onde o privado assume parte do risco e investe em novas áreas e onde o setor público complementa, fixando exigências de alta qualidade e otimizando os recursos públicos.
Transporte público, gestão de recursos hídricos, gestão de resíduos e bioeconomia são bons setores. Áreas com um forte impacto social, uma contribuição muito positiva para o clima e nas quais os investidores têm um retorno financeiro razoável, o que permite remunerar seus acionistas.
P. – O programa é dedicado à amazônia do lado do Brasil e da Guiana Francesa. Há uma preocupação em evitar favorecer um ou outro lado?
R. R. – Penso que o presidente Macron tenha escolhido esses dois destinos para encorajar a todos, inclusive a AFD, as autoridades locais francesas e brasileiras, também os países vizinhos, Suriname e Guiana, a trabalharem mais juntos do que fazemos até o presente momento. Trabalharemos para aproximar o parque amazônico da Guiana Francesa e o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque [em Amapá e Pará].
RAIO-X
Rémy Rioux, 54
É diretor-geral da AFD (Agência Francesa de Desenvolvimento) desde 2016. Atua também como presidente do movimento Finance en Commun, que reúne 530 bancos públicos de desenvolvimento do mundo. Coordenou a agenda financeira para a presidência francesa da COP21 (conferência do clima da ONU) até a negociação final do Acordo de Paris, em 2015. Nascido em Neuilly-sur-Seine, na França, é formado em história e em administração pública
NATHALIA GARCIA / Folhapress