SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – São Paulo estacionou na tentativa de aproximar seus moradores do transporte público, proposta central do Plano Diretor Estratégico do município em vigor desde 2014, revela análise da Folha de S.Paulo com dados do Censo 2022.
O levantamento mostra que 2,2 milhões de pessoas viviam em 2022 nas áreas com incentivo ao adensamento, mais abastecidas com infraestrutura de deslocamento em massa. Isso equivale a 19,2% da população, ou aproximadamente 1 de cada 5 habitantes.
Esse número oscilou negativamente em relação ao Censo anterior, de 2010, quando 2,23 milhões moravam nessas mesmas regiões (19,8% à época). A população da cidade cresceu 1,76% no período.
A comparação leva em conta uma superfície de 164 km² em 2022, ligeiramente maior que o território correspondente em 2010, de 160 km². A diferença se deve a mudanças nos formatos e tamanhos dos setores censitários entre as duas pesquisas.
Para testar a eficiência do Plano Diretor, a Folha de S.Paulo sobrepôs a malha do IBGE às ZEUs (Zonas de Estruturação da Transformação Urbana), formadas por quadras próximas a corredores de ônibus e estações de metrô ou trem. Foi considerada uma margem de 200m para incluir setores que extrapolam as demarcações do município.
É na ZEU onde o poder público paulistano oferece os maiores incentivos econômicos ao mercado imobiliário, como permissão de prédios sem limite de altura e descontos na outorga onerosa –a taxa cobrada da edificação com área construída maior do que o terreno.
Com essa política, esperava-se que a construção de prédios resultasse no adensamento populacional das regiões vizinhas aos eixos. Os novos dados do IBGE indicam que esse aspecto do plano não funcionou.
Análise adicional focada no transporte sobre trilhos confirma que a mesma parcela da população continuou morando perto das áreas atendidas pelo sistema de metrô e trem.
Cerca de 1,412 milhão de pessoas, ou 12,3% do total, viviam num raio de 600m no entorno das atuais estações em operação. Essa distância foi um dos critérios para que uma quadra pudesse ser demarcada como ZEU –nem todas entraram no zoneamento, pois a lei permite exceções.
Antes, o percentual era de 12,4%, com 1,395 milhão de moradores nos setores censitários equivalentes. Os dados mostram que não houve mudança na dinâmica demográfica e que o aumento populacional foi maior fora desses perímetros, em termos absolutos e proporcionais.
Se observada uma distância de 1km, considerada caminhável até o transporte público segundo padrões internacionais, a habitação nos quarteirões em volta dos terminais atuais oscilou de 27% para 27,1% da população.
É algo próximo a 1 de cada 4 paulistanos, sem que tenha havido adensamento dessas localidades, no geral, em um período de 12 anos. Houve aumento em algumas regiões e diminuição em outras, de forma que a média ficou estacionada no período.
Secretário de Desenvolvimento Urbano da gestão Fernando Haddad (PT) durante a elaboração do Plano Diretor, Fernando de Mello Franco pondera que uma visão definitiva sobre o resultado do planejamento da cidade ainda depende de dados mais precisos sobre imóveis ociosos e novos prédios. Mais informações relacionadas aos setores censitários deverão ser divulgadas pelo IBGE no segundo semestre.
Franco reconhece, porém, que os dados apurados representam insucesso em ao menos um dos objetivos do plano. “Se esses números estiverem certos, a gente pode dizer que o objetivo de promover adensamento populacional nas áreas diretamente abastecidas de mobilidade, bens e serviços urbanos está sendo atingido? Não”, afirma.
Franco ainda sugere que o resultado pode não significar erro na concepção do plano, mas, sim, uma atuação do mercado imobiliário que não segue os objetivos da legislação. “Precisaríamos investigar porque o volume de produção imobiliária não está gerando adensamento populacional”, diz.
Responsável por relatar o Plano Diretor na Câmara Municipal, o ex-vereador petista Nabil Bonduki também critica a forma como o mercado se apropriou do regramento. Ele reclama especialmente do uso de unidades habitacionais para locação de curta duração, como as permitidas pelo aplicativo Airbnb, e da construção de apartamentos grandes e voltados para a alta renda.
Representantes do mercado imobiliário discordam das queixas dos autores do planejamento quanto à atuação do setor e apontam a concentração de estímulos apenas nos eixos de transporte como uma das principais razões pelo resultado do plano nesses locais.
Especialmente nas regiões mais estruturadas da capital, a criação das ZEUs resulta em disputa por uma escassa quantidade de terrenos e isso aumenta ainda mais os preços em bairros tradicionalmente mais caros e menos acessíveis à maior parte da população, segundo Luiz França, presidente da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias).
Em 2023, o Plano Diretor passou por uma revisão e a crítica do mercado à escassez de terrenos nas ZEUs embasou o aumento de 100m nas bordas dos eixos onde esse zoneamento é permitido. O efeito da mudança, se houver, será no longo prazo. O plano tem vigência prevista até 2029.
Aumentar o gabarito -altura máxima dos prédios- nos miolos dos bairros é outra das soluções defendidas pelo mercado para equilibrar os preços. A medida foi aprovada pelos vereadores na revisão da Lei de Zoneamento em 2023, mas foi criticada por movimentos de bairros e acabou vetada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB). A Câmara ainda avalia se irá derrubar ou manter o veto.
Diretora de relações institucionais da Tenda, construtora especializada em habitação popular, Daniela Ferrari acrescenta à discussão a defesa do aumento de ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) em áreas mais próximas ao transporte.
Ferrari argumenta que, por ser a única regra de zoneamento exclusivo para habitação popular, em especial para famílias com renda de até três salários mínimos, a ZEIS não gera competição com outros usos, evitando a disparada do preço dos terrenos.
Especialistas em urbanismo defendem, no entanto, que o não adensamento dos eixos de transporte não significa o completo fracasso do Plano Diretor.
Ex-presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil em São Paulo e professor da ETH Zurique, Fernando Túlio observa as próprias ZEIS e o conjunto de planos urbanísticos específicos para o centro e orlas dos rios previstos no plano como medidas que poderão resultar numa ocupação racional de áreas providas de infraestrutura. “Não podemos resumir o Plano Diretor aos eixos”, diz.
José Police Neto, coordenador do núcleo de moradia do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, também destaca que a estagnação apontada pelos dados do IBGE ainda pode refletir resultados do Plano Diretor de 2002, da gestão Marta Suplicy. Segundo Neto, o efeito do plano de 2014 só ocorreu a partir de 2017.
NICHOLAS PRETTO, CRISTIANO MARTINS E CLAYTON CASTELANI / Folhapress