Plano Diretor esconde nome e transforma Jockey Club de SP em parque municipal

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Quero externar minha felicidade hoje, pois está criado o parque Jockey Club. Vamos fechar aquilo, graças a Deus”, foram as palavras do presidente da Câmara de São Paulo, Milton Leite (União), ao encerrar a sessão de quase dez horas que aprovou a revisão do Plano Diretor paulistano na última segunda-feira (26).

No dia seguinte à votação, Leite explicou o tom de fim de páreo ao falar da entidade que organiza corridas de cavalos. Na última versão do texto da lei que planeja o crescimento do município até 2029, o terreno de quase 600 mil metros quadrados onde desde 1941 funciona o hipódromo da Cidade Jardim (zona oeste) passou a figurar entre os 186 parques públicos propostos para São Paulo.

A criação do parque abre o caminho para a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) declarar a utilidade pública do imóvel. Segundo o presidente da Câmara, o local seria tomado pelo município como pagamento da dívida de R$ 400 milhões em IPTU e de R$ 240 milhões de ISS. A prefeitura não confirma o plano.

O Jockey questiona a dívida na Justiça. O advogado que representa o clube disse que a entidade não se pronunciaria sobre a ação.

Leite, por sua vez, detalhou a estratégia para liquidar a disputa com a entidade.

“Não coloquei o nome de Jockey Club [na lista de parques do projeto], batizei já no Plano Diretor como parque João Carlos di Genio”, disse. “Mas estava tudo lá, a matrícula e o mapa. Eles que não viram, ou resolveram ceder”, contou o vereador.

Morto em 2022 aos 82 anos, di Genio, fundador do grupo educacional Unip-Objetivo, era entusiasta do turfe. Frequentava o Jockey e possuía cavalo, contou um funcionário do clube.

A manobra da Câmara realmente pegou a diretoria do Jockey no contrapé, segundo esse mesmo funcionário. O presidente da entidade, o empresário Benjamin Steinbruch por exemplo, estava fora do país. Nem sequer houve tempo para mobilização dos funcionários.

Situação diferente ocorreu no ano passado, quando sócios e trabalhadores compareceram à Câmara para pressionar contra a tentativa de desapropriação requisitada em projeto do próprio Milton Leite. “Sofri uma pressão enorme na época, mas sou marrento”, disse o vereador. “Será um belo legado para a cidade e eu ainda farei uma caminhada naquele parque.”

Exemplar do estilo art déco, o edifício principal remete à época em que a elite paulistana construía prédios mirando o ar cosmopolita de Nova York. Lembrança glamourosa que não se reflete no entorno.

A muralha de quatro metros de altura tem bilheterias lacradas com concreto e portões enferrujados. Mato alto e galhos de árvores criam obstáculos na calçada onde uma solitária garota de programa esperava algum cliente ao meio-dia da última quarta-feira (28).

Um vazio urbano que é fonte de desvalorização de mansões da avenida Lineu de Paula Machado e adjacências. A criação do parque em uma área nobre da cidade tende a aguçar o apetite de construtores para implantar no local valorizados condomínios horizontais de alto padrão –a verticalização naquela via é impraticável atualmente devido às regras de zoneamento, explica o especialista em mercado imobiliário Daniel Sznelwar.

Quanto ao espaço dentro dos muros do Jockey, o terreno ficará potencialmente inviabilizado para a construção civil caso a área venha a ser completamente transformada em parque, como prevê a proposta da Câmara. Isso transformará o terreno em uma Zepam, a zona especial de preservação ambiental onde não se pode construir. Sem potencial construtivo, a área perde valor.

A exploração comercial ainda seria potencialmente lucrativa em um modelo de concessão nos moldes do Ibirapuera ou do vizinho Parque do Povo, explica Fernando Pieroni, presidente do Semeia, instituto especializado em parcerias público-privadas para gestão de parques. “É preciso ressaltar que a viabilidade do parque demanda estudo específico, embora as condições pareçam favoráveis.”

Um dos desafios para atividades recreativas e imobiliárias são as limitações impostas pelo tombamento das principais edificações e da pista do hipódromo, disseram os especialistas. O conjunto integra o patrimônio histórico municipal e estadual.

Foi também o tombamento uma das justificativas para o naufrágio do projeto de intervenção urbana pretendido por João Doria (sem partido) quando era prefeito. Condições geológicas e custos de implantação também embasaram pareceres técnicos de órgãos municipais contrários ao projeto.

A solução buscada pela gestão Doria mantinha a operação do Jockey Clube e também permitia a implantação de torres de até 80 metros nas duas extremidades do terreno.

Sznelwar diz que a comercialização dos imóveis, mesmo que em uma área inferior a 10% do terreno, geraria receita suficiente para a sustentabilidade financeira do hipódromo.

Nas dependências do clube, o ambiente entre os profissionais era de apreensão nos dias posteriores à decisão da Câmara.

São treinadores, veterinários e outras dezenas de trabalhadores que cuidam dos cerca de 500 cavalos mantidos no local. Além da preocupação com os empregos, temem pelo destino dos cavalos.

A saúde dos animais depende de alimentação específica, medicação e exercícios diários que não podem ser interrompidos. O fim do Jockey obrigaria os proprietários a providenciar rapidamente transferência para outros estabelecimentos. Seria um caos, disse um funcionário à Folha de S.Paulo.

Procurada, a direção da entidade não respondeu ao pedido de entrevista da reportagem.

A prefeitura informou que ainda estudava vetar ou não pontos da revisão do Plano Diretor. A gestão municipal ainda comunicou que o plano para o local busca adequar o Jockey às dinâmicas da cidade, para que ele abrigue novas atividades além do turfe e seja mais utilizado pela população.

CLAYTON CASTELANI E TULIO KRUSE / Folhapress

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