SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os franceses voltam às urnas no próximo domingo (7) para votar no segundo turno das eleições legislativas, convocadas de surpresa pelo presidente Emmanuel Macron logo após a derrota de seu partido no pleito para o Parlamento Europeu no dia 9.
No primeiro turno, que aconteceu no último domingo (30), o partido de ultradireita RN (Reunião Nacional), da ex-candidata a presidente Marine Le Pen, largou na frente com 33% do voto, seguido da união de partidos de esquerda Nova Frente Popular (NFP) e, em terceiro lugar, a coalizão governista de Macron, com 20% dos votos.
Com a ultradireita prestes a se tornar a maior força no Parlamento francês, com uma projeção de 230 a 280 das 577 cadeiras da Assembleia Nacional, as atenções se voltam ao plano de governo do partido de Le Pen e de Jordan Bardella, candidato a primeiro-ministro. Vale lembrar, entretanto, que os dois líderes da sigla já disseram que não vão governar se não obtiverem maioria simples no Legislativo, o que dependeria de uma coalizão com a centro-direita. O cargo de presidente não está em disputa.
REUNIÃO NACIONAL
O programa da RN tem ênfase, como é de se esperar na ultradireita europeia, na imigração elencando medidas duras para restringir não só o número de pessoas que chegam à França como também as hipóteses que permitem que estrangeiros obtenham a cidadania francesa.
Se chegar ao poder, a RN pretende, por exemplo, iniciar uma leva de deportações de “imigrantes delinquentes” ao remover leis que, segundo o partido, dificultam a expulsão de estrangeiros que cometeram crimes. Também quer recriar o crime de “estadia ilegal”, que criminalizaria estrangeiros sem documentos em dia e facilitaria sua deportação.
O projeto de governo da ultradireita também quer acabar com o chamado “direito do solo” na legislação francesa, que permite que pessoas que nasceram na França filhos de pais estrangeiros conquistem a nacionalidade ao completar 18 anos se tiverem morado por pelo menos cinco anos em território francês. Por fim, pretende restringir empregos públicos considerados estratégicos a cidadãos franceses, barrando pessoas com dupla nacionalidade de certos cargos na burocracia do governo.
O programa oficial utiliza linguagem que reforça a ideia de que o fluxo migratório é um ataque e uma ameaça à “civilização francesa”, dizendo que o partido se compromete a “proteger o povo francês da submissão migratória” e a propor leis “contra as ideologias islamistas, verdadeira ameaça totalitária do mundo moderno”.
Para a economia, a RN promete recuperar o poder de compra do francês médio com cortes de impostos de luz elétrica e gás, entre outros, e interrompendo reformas de Macron, como a que revê valores do seguro desemprego o governo suspendeu a tramitação dessa lei durante a campanha. Também prevê indexar o valor das aposentadorias à inflação.
Para pagar por isso, o partido de ultradireita se volta, novamente, à questão da imigração, dizendo que vai cortar benefícios sociais para estrangeiros e forçá-los a arcar com os custos de qualquer tratamento médico não emergencial que seja feito em hospitais públicos.
A central patronal francesa Medef (Movimento das Empresas Francesas) já chamou tanto o plano econômico da RN quanto o da NFP de “inadequados e perigosos para a economia francesa, o crescimento e o emprego”.
“Se esses programas se concretizarem em 2024 ou depois, provocariam a saída de investidores estrangeiros e a falência massiva de empresas”, disse a organização empresarial.
NOVA FRENTE POPULAR
O plano econômico da NFP é central para o projeto de governo da aliança de partidos de esquerda, que foi formada às pressas e contra a previsão de analistas para fazer frente à ultradireita. Se chegar ao poder, a coalizão promete declarar, logo no primeiro dia, um “estado de emergência social” e congelar preços de alimentos, energia elétrica e combustíveis.
O plano prevê subir o salário mínimo em 200, indo para 1.600 (cerca de R$ 9.500), criar um aumento obrigatório de todos os salários de acordo com a inflação, cortar um imposto de 10% que incide sobre as contas de luz, e revogar a reforma da previdência de Macron.
Essa reforma, aprovada em abril de 2023, subiu a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos e prolongou os anos de contribuição de 42 para 43 já em 2027 como condição de acesso à pensão integral. Macron aprovou o texto de maneira polêmica, utilizando um dispositivo constitucional que permite driblar votações na Assembleia Nacional.
A abolição desse dispositivo está no plano de governo da NFP, no trecho que versa sobre convocar uma assembleia constituinte para a instituição da “Sexta República”, verdadeiramente parlamentarista a França vive hoje a chamada Quinta República, caracterizada por um presidente com fortes poderes sobre o país, uma realidade que a coalizão de esquerda chama de “monarquia presidencial”.
Resultado de uma negociação ampla entre diferentes setores da esquerda francesa, o plano da NFP promete manter o envio de armas e equipamentos militares para a Ucrânia a fim de “defender de maneira irrestrita a soberania do povo ucraniano e de suas fronteiras”.
Em relação ao conflito na Faixa de Gaza, entretanto, a NFP defende “romper com o apoio da França ao governo supremacista de extrema direita de Binyamin Netanyahu” e reconhecer o Estado palestino. Defende ainda um embargo de armas e sanções contra Israel “enquanto não houver respeito ao direito internacional em Gaza e na Cisjordânia”, ao mesmo tempo que chama o Hamas de um grupo terrorista “cujo projeto teocrático rejeitamos”.
JUNTOS
Por fim, o plano de governo da coalizão centrista de Macron, chamada de Juntos, tenta enfatizar a responsabilidade fiscal, dizendo que as propostas dos rivais à esquerda e à direita são irrealistas e afundariam o país em dívidas.
Ainda assim, o programa do Juntos propõe combater a escalada no custo de vida dos franceses com uma redução de 15% nas contas de luz, um bônus a empresas que aumentarem os salários de seus trabalhadores e um aumento em benefícios sociais de até 5 bilhões.
Em um debate entre candidatos a primeiro-ministro no último dia 25, o atual premiê e aliado de Macron, Gabriel Attal, disse que “a diferença entre meus rivais e eu é que, como primeiro-ministro, não quero mentir para os franceses. Não quero prometer a lua”.
VICTOR LACOMBE / Folhapress