Planta que se disfarça de vegetal de plástico rende Ig Nobel para brasileiro

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um brasileiro, em 2019, decidiu testar se uma planta conseguiria imitar uma outra planta, mas de plástico, colocada perto. Ela conseguiu e, em 2024, o biólogo Felipe Yamashita ganhou um prêmio Ig Nobel pela ideia e pela pesquisa.

O biólogo brasileiro era calouro do curso de ciências biológicas na Unesp (Universidade Estadual Paulista) quando o chileno Ernesto Gianoli publicou seu primeiro artigo sobre o curioso fato da espécie Boquila trifoliolata imitar folhas de plantas ao seu redor. O trabalho saiu no periódico Cell Press em maio de 2014. Desde então, Gianoli tem tentado encontrar uma explicação para o fenômeno —e Yamashita, agora com doutorado em biologia celular vegetal pela Universidade de Bonn, na Alemanha, e vencedor do prêmio Ig Nobel de 2024, está disposto a ajudar.

“A grande pergunta é sobre como elas fazem isso, porque as razões são mais claras: elas se camuflam para escapar de predadores, tentam se misturar com outras que não são tão atraentes para os herbívoros”, afirma Yamashita em entrevista à reportagem.

Intrigado com os mecanismos por trás da mimetização, ele teve a ideia de colocar à prova uma hipótese controversa e, de certa forma, polêmica dentro da ciência: a de que as plantas, de alguma forma, podem enxergar o que há à sua volta.

Em 2021, o brasileiro publicou um estudo na revista científica Plant Signaling & Behavior mostrando que a Boquila trifoliolata é capaz de imitar folhas de plantas de plástico. O experimento foi feito nos Estados Unidos entre 2019 e 2020, com ajuda do pesquisador independente Jacob White, e abre a possibilidade de confirmar a teoria da percepção visual das plantas.

“Não é uma visão como a humana, mas pode ser um tipo de visão primitiva”, diz o biólogo. A ideia é que o sentido da visão nas plantas estaria em uma camada celular superior nas folhas, chamada de ocelo, que funcionam como lentes. “Todos os organismos têm algum tipo de visão, até os unicelulares têm espécies de receptores de raios de luz, então essas estruturas da visão em outros organismos, como as plantas, só não foram descobertos ainda, mas é plausível que existam”, defende o pesquisador.

Os cientistas usaram quatro plantas da Boquila envasadas. Eles as deixaram ao lado de plantas de plástico, compradas em uma loja comum de itens de decoração, e perceberam que, depois de mais ou menos duas semanas, as folhas da espécie sul-americana estavam ficando iguais às vizinhas de plástico —até mesmo nos detalhes. Yamashita admite que a quantidade de plantas é pouca, e que, por isso, o experimento deveria ser repetido para uma verificação mais robusta dos resultados.

Até então, havia duas hipóteses sobre como as Boquila estavam copiando suas vizinhas. A primeira era de que ela era capaz de absorver substâncias voláteis (que são liberadas no ar) das plantas vizinhas e, por isso, imitava seu formato. A segunda propunha uma modificação genética na Boquila por meio de micróbios que se transportam pelo ar entre uma planta e outra e, consequentemente, altera o formato das folhas. Ambas as ideias foram registradas pelo próprio Gianoli em artigos publicados nos últimos anos.

Mas as primeiras teorias sobre uma visão das plantas e dos seus ocelos são do início do século 20 e foram elaboradas pelo botânico austríaco Gottlieb Haberlandt e por Francis Darwin, filho de Charles Darwin. Para Yamashita, a descoberta de que a Boquila é capaz de imitar outras folhas é “uma rara oportunidade para testar a visão das plantas com mais detalhes”, escreve o biólogo em seu artigo.

A espécie é conhecida há quase dois séculos, é endêmica do Chile e da Argentina, e sempre foi usada pelas comunidades indígenas locais para artesanato e, em alguns casos, como remédio. “É irônico, mas há relatos de que os indígenas usavam as folhas maceradas como colírio”, conta o pesquisador.

REPERCUSSÃO

Neste ano, o trabalho levou o prêmio Ig Nobel na categoria botânica. O evento é uma sátira que celebra a criatividade na ciência e reconhece pesquisas que provocam o riso, em um primeiro momento, e depois a reflexão.

Yamashita recebeu o prêmio Ig Nobel com animação e vê como uma oportunidade de tornar o assunto mais popular. “Eu não conhecia [o Ig Nobel], mas é interessante receber o prêmio porque dá visibilidade ao nosso trabalho”, comemora.

Na época da publicação de seu artigo, ele e seus colegas que estudam o campo receberam muitas críticas. “Muita gente não acredita nem um pouco em nós”, afirma o biólogo. “Mas, como tudo o que é novo na ciência, o pensamento fora da caixa não é muito bem aceito, mas nos resta continuar trabalhando e publicando, continuar fazendo ciência”, diz.

Recentemente, além do experimento com as plantas de plástico 3D, ele testou a mimetização da Boquila com fotos de folhas impressas em papel —ou seja, em 2D. Os resultados ainda não foram publicados, mas Yamashita está otimista. “A Boquila é só um exemplo, pode haver várias outras plantas similares com o mesmo mecanismo”, comenta.

O brasileiro está em busca de oportunidades de bolsa de pós-doutorado para continuar investigando a comunicação e os sentidos das plantas. Entre as pessoas com quem ele entrou em contato está o botânico italiano Stefano Mancuso, autor do livro de divulgação científica “A Revolução das Plantas”, da editora Ubu, em que explora os meios de comunicação entre plantas e o que podemos aprender com elas. Em 2021, o autor participou da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).

LETÍCIA NAÍSA / Folhapress

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