SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com as chuvas no Sul, o longo período de seca no país e os incêndios de provável origem criminosa em diversas regiões, a questão climática entrou de vez no cotidiano da população em 2024 e, como não poderia deixar de ser, virou pauta eleitoral.
É nesse contexto que têm surgido iniciativas para divulgar candidatos comprometidos com a questão do clima.
“Não dá pra falar em democracia e direitos sociais sem pensar na consequência da desigualdade nos efeitos da crise climática”, afirma Áurea Carolina, ex-vereadora e diretora executiva do Nossas, que atua com foco em justiça climática, racial e de gênero. “Essa agenda precisa emplacar em todo o espectro político.”
Ao lado da organização Clima de Eleição, organização de advocacy climático, o Nossas criou a Vote pelo Clima, plataforma suprapartidária também subscrita por organizações como Observatório do Clima, Greenpeace e WWF.
Nela, candidatos interessados subscrevem uma lista de compromissos como o de desenvolver políticas de transição energética, de proteção ambiental e de adaptação das cidades para reduzir tragédias.
Mais de mil candidaturas de diversos partidos foram cadastradas não há restrição quanto à legenda.
Antes de homologar a integração à plataforma, há uma checagem para verificar se os candidatos cometeram crimes ambientais ou estão irregulares perante o Tribunal Superior Eleitoral.
Outra iniciativa foi criada por integrantes dos partidos Rede, PSDB e PSOL: a Bancada do Clima.
Inicialmente formada por um candidato a vereador de cada região do país, ela atualmente agrega mais de 240 candidatos, em 26 estados a exceção, até agora, é o Amapá.
Entre os compromissos assumidos pelos candidatos da bancada, estão o de cidades mais verdes e da construção de planos com diretrizes para decretos de emergência climática nos municípios.
“Para o eleitor com esse compromisso, ela ajuda a chegar aos candidatos que representam a pauta. E, para aqueles que ainda não acham a eleição municipal importante em relação ao clima, a ideia é levar mais informação”, diz Marina Bragante (Rede), candidata à Câmara Municipal de São Paulo.
Foi ela quem convidou, por exemplo, Mariana Calsa (MDB), vereadora que busca a reeleição em Limeira (SP) em seu primeiro mandato, elegeu-se pelo PL.
Autora de proposta de Política Municipal sobre Mudança do Clima, aprovada em 2023 em Limeira, Calsa aderiu às duas plataformas.
Candidato em São Fidélis (RJ), Zé Guilherme (MDB), por sua vez, filiou-se à Bancada do Clima. Ele foi um dos gestores ambientais do Parque Estadual do Desengano.
O QUE UM PREFEITO E UM VEREADOR PODEM FAZER SOBRE O CLIMA
A importância da questão climática nas eleições de 2024 é grande porque políticas municipais podem interferir em diversos aspectos relacionados ao clima, como o deslocamento de pessoas e o consequente maior consumo de energia.
Nesse sentido, medidas relacionadas a mobilidade, habitação e planejamento urbano ganham relevância.
“Temos que atuar tanto na adaptação das cidades quanto na mitigação de sua contribuição para a mudança climática”, afirma Mercedes Bustamante, professora da UnB (Universidade de Brasília) com experiência em ecologia, que atuou em colaboração com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).
Um exemplo de atuação municipal que ela cita é a elaboração de um inventário que aponte onde a cidade emite mais poluentes e projete como diminuir seu impacto.
“É importante olhar o perfil econômico do município para ver quais setores podem contribuir. Se for agro, é possível fortalecer a proteção das áreas nativas, garantir que a legislação ambiental seja cumprida e promover a reparação de matas degradadas”, exemplifica.
“Na construção civil, precisamos pensar alternativas para reduzir emissões a partir do material utilizado, que estejam adaptadas às condições climáticas do futuro. Não podemos pensar em transição energética em um mundo em que tudo precise de ar condicionado”, acrescenta.
COOPERAÇÃO E DEFESA CIVIL
Os municípios devem ainda se preparar para as condições climáticas extremas, com planos de prevenção e de reação a crises, diz Victor Marchezini, professor na pós-graduação em desastres do Instituto de Ciência e Tecnologia da Unesp em associação com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
E esses planos devem ser detalhados. “As edificações, como escolas municipais, precisam pensar em coleta e reaproveitamento da água da chuva, em ter espaços e até uniformes que deem conta de situações de extremo calor”, afirma.
Ele cita pesquisa de que participou, feita pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, e que entrevistou 1.993 defesas civis em todos os estados e regiões: “59% eram compostas de uma a duas pessoas, que ficam naquele cargo por um tempo, depois são trocadas. Uma defesa civil profissionalizada faz uma diferença gigante na forma como um desastre vai afetar a população”.
O levantamento mostrou ainda que 72% das defesas civis não tinham orçamento próprio, e 30% não tinham nem sequer um computador.
Uma defesa civil de duas pessoas não consegue acionar bombeiros e salvar todos em bairro inundado ou atingido por incêndio, diz.
“Quando tem um desastre, vemos quantas instituições são mobilizadas. Mas elas não são mobilizadas antes, para reduzir os riscos”, lamenta. “Precisamos discutir: ‘Se tiver uma situação de seca, o que a defesa civil vai fazer? E a saúde? E a educação?’ É preciso que prefeitos e prefeitas adotem o tema da gestão de risco de desastres adaptação climática como prioridade”.
ANA BEATRIZ GARCIA / Folhapress