SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há 50 anos, no dia 18 de setembro de 1973, foram definidas as diretrizes para a criação do Programa Nacional de Imunizações, o PNI. Até então, a vacinação nos estados e municípios era descentralizada, o que refletia nas baixas coberturas vacinais pelo Brasil.
Hoje, meio século depois, a importância da criação de um dos maiores programas de vacinação pública do mundo é inquestionável.
Com mais de 300 milhões de doses distribuídas por ano e 38 mil salas de vacinação no país, o PNI é responsável por centralizar tudo o que diz respeito ao programa de vacinação, como o planejamento para compra das doses, a incorporação das vacinas no calendário, a rede de frio (para armazenamento), a compra dos insumos e o lançamento das campanhas de vacinação.
“Antes da criação, não existia vacinação coordenada, não tinha nenhum planejamento”, afirma a pediatra Isabella Ballalai, segunda-secretária da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações). “O grande objetivo com a criação do programa é você saber, primeiro, qual o objetivo [vacina], qual o público-alvo, garantir que essa vacina chegue, implementar as campanhas e, claro, depois disso tudo, o Ministério da Saúde lança, através do programa, os primeiros calendários de vacinação, que não existiam. Isso foi revolucionário.”
Quando foi criado o PNI, o governo federal fazia parte de um programa mundial para erradicar a varíola. Só que a imunização não estava funcionando nos diferentes estados até mesmo pelas dificuldades regionais.
“A administração da vacina sempre foi responsabilidade do município, mas nunca isoladamente, sempre havia participação do estado, como gestor, e do governo federal. E aí, quando houve a centralização, a coisa engrenou de vez”, afirma o pediatra Gabriel Oselka, professor emérito da USP. Ele também fez parte da Comissão Permanente de Assessoramento em Imunizações da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e o CTAI (Comitê Técnico de Assessoramento de Imunizações do Ministério da Saúde).
De acordo com ele, um dos sucessos do PNI, e que o tornam referência mundial até hoje, está no fato de que a qualidade dos profissionais e a do programa como um todo apresentaram uma forte resistência até mesmo às mudanças de governo.
“Apesar das mudanças na Presidência, dos ministros [da Saúde], de pensamento e talvez até de linha ideológica, o fato é que o programa persistiu. E persistiu porque quem esteve lá desde a sua criação, as pessoas responsáveis por gestar esse programa, os que eu chamo de persistentes do programa, durante décadas conseguiram segurar o programa, e isso se reflete também na população”, afirma.
Os anos recentes puseram à prova o PNI, com as coberturas vacinais ficando abaixo do esperado pelo Ministério da Saúde desde, pelo menos, 2015. Aliado a isso, um governo que questionou a eficácia dos imunizantes contra a Covid e instaurou o medo e a hesitação vacinal na população tem afetado também as demais vacinas do calendário, segundo os especialistas.
Estudo recente do centro de pesquisas SoU_Ciência, da Unifesp, revelou que a rejeição à vacinação infantil é maior entre os apoiadores do ex-presidente Bolsonaro (PL), enquanto a maioria dos apoiadores do presidente Lula (PT) é favorável à vacinação.
“O brasileiro confia em vacina, se tiver amanhã um surto pode ter certeza que vai ter fila na porta dos postos de saúde. Só que a confiança não é só na vacina, precisa ser também nas autoridades. Na pandemia vimos justamente um discurso de desconfiança do próprio governo em relação aos contratos da vacina, dizendo que só ia assinar se as farmacêuticas assumissem responsabilidade”, continua a médica.
O próprio fato de a vacina contra Covid ter ficado fora da coordenação do programa é criticado pelos profissionais que atuam com vacinação há décadas no país. “Tanto que é só ver que a questão nunca foi se seríamos capazes de vacinar, os profissionais do PNI diziam só me entregar a vacina que vacinamos X pessoas em um período. O que faltou e teve muito, no início, foi o atraso na entrega das doses, porque não foi centralizado”, afirma Oselka.
Olhando para o futuro, já a partir deste ano, a expectativa é de reconstrução do que foi abalado nos últimos anos de governo. Em relação às coberturas vacinais, já houve um sinal de recuperação das vacinas no calendário infantil em 2022 em relação aos anos anteriores, mas a única que bateu a meta foi a BCG.
“Não tenho dúvida que vamos conseguir [recuperar o PNI]. Quando a gente fala de imunização, o Brasil é referência internacional, e nossa população também é uma população que entende e vê a importância da vacinação”, afirma Ballalai.
“O que eu posso dizer é que, na minha vida tanto pessoal quanto profissional, uma das experiências mais gratificantes foi ter participado desse programa, eu tenho muito orgulho. E essa situação delicada que estamos vivendo é transitória, o programa tem força, tem tradição, tem estrutura para retomar tudo o que ele foi”, completa Oselka.
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O PNI EM NÚMEROS
Criação: 18 de setembro de 1973
Quando foi lançado oficialmente: 1975
Salas de vacinação: 38 mil
Doses distribuídas a cada ano: 300 milhões
Vacinas do calendário infantil: 17
Vacinas do calendário do adolescente: 7
Vacinas do calendário do idoso: 5
Vacinas do calendário da gestante: 3
ANA BOTTALLO / Folhapress