CAMPINAS, SP (FOLHAPRESS) – “Poeta, árabe, venezuelano, homem da cultura e das letras, construtor da nova era, construtor de instituições, homem totalmente honesto e que deu tantos aportes a nossa história. Trata-se do poeta e procurador-geral, Tarek William Saab Halabi.”
Ao menos na descrição do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, este é o homem que ocupa o cargo máximo do Ministério Público do país e assina intimações e acusações de opositores, jornalistas e ativistas desde 2017, quando assumiu a função. Tarek se define também como especialista em direitos humanos e direito penal.
O Ministério Público venezuelano emitiu nesta segunda-feira (2) uma ordem de prisão contra Edmundo González, 75, o candidato que representou a coalizão opositora na eleição em que Nicolás Maduro foi declarado vencedor. O mandado foi expedido depois de González ignorar pela terceira vez intimação para que prestasse depoimento em investigação criminal aberta após opositores acusarem fraude no pleito.
Da mesma geração que Maduro, ambos nascidos em 1962, o procurador-geral se juntou ainda adolescente ao grupo radical liderado por Douglas Bravo, militante histórico da esquerda guerrilheira no país. Morto em 2021, Bravo é visto como mentor por Tarek, a quem chamava de irmão, e foi também grande influência de Maduro e Hugo Chávez (1954-2013), embora tenha depois se tornado crítico dos ditadores.
Formado em direito, Tarek já era chefe do escritório de direitos humanos vinculado ao Legislativo de Caracas em 1994. Foi nesse ano que se tornou importante aliado de Chávez, quando participou dos esforços que resultaram no indulto do futuro presidente, preso desde sua tentativa frustrada de golpe de Estado, em 1992.
A partir daí, o advogado se vinculou ao chavismo então nascente e se tornou, nas palavras de Maduro, “uma lenda urbana”.
“Fui sequestrado em 1996, quando era dirigente sindical. Fui jogado em uma cela em que eu não cabia -sou asmático, e era pior antes, com crises permanentes. E quem chega com medicamentos? O defensor dos direitos humanos”, disse Maduro. “Chegou como? Só chegava.”
Os louvores extravagantes do ditador ao aliado foram feitos em um podcast em que Maduro e sua esposa, Cilia Flores, entrevistam Tarek por mais de uma hora. Publicado em dezembro passado, o vídeo é a segunda edição do programa, depois apenas de entrevista de Maduro com a própria primeira-dama.
“[Os agentes] respeitavam minha chegada a esses lugares [prisão]”, diz Tarek após a história contada pelo autocrata, que pergunta: “Mas por quê? Tem uma proteção espiritual árabe aí”. “Deve ser uma energia… eu chegava e dizia quem eu queria visitar, me interrogavam”, reflete o procurador-geral.
Filho de imigrantes libaneses vindos do vale do Beka, Tarek nasceu em El Tigre, no estado de Anzoátegui, a leste do distrito da capital, Caracas. Foi deputado e governador de seu estado natal e participou ativamente da Constituinte de 1999, que terminou por fechar o Congresso e concentrar poder nas mãos de Chávez. Antes de assumir a Procuradoria, foi defensor público, já durante o regime Maduro.
Conta ter se interessado pela poesia aos 15 anos, quando viu a chuva pela janela durante uma entediante aula de química e sentiu “uma espécie de magia”. Hoje tem ao menos 11 livros publicados.
O tom espiritualizado da conversa com Maduro é o mesmo de outras entrevistas e de sua presença ostensiva nas redes sociais (X, TikTok e YouTube) e quatro sites pessoais diferentes (dois deles atualmente sem acesso), onde publica seus poemas, sua trajetória, fotos e sua bibliografia.
Seu perfil no X, com mais de 700 mil seguidores contém fotos do procurador-geral acima da hashtag #PoetaHippieLivreBeatSidharthaEstoico, ao lado do símbolo do movimento hippie e da bandeira venezuelana.
Tarek alterna publicações políticas contra a oposição, com denúncias de cidadãos e a respeito da Procuradoria, com poemas e vídeos e imagens pessoais em poses em que mostra seus músculos e suas várias tatuagens, várias delas em locais aparentes como pescoço e mãos. Recentemente, apagou sua conta no Instagram, onde publicava mensagens motivacionais ao lado de fotos em que levanta grandes halteres na academia.
“Você era como um influencer”, riu Maduro no momento da conversa em que Tarek relembrou o período de entrevistas coletivas às portas da delegacia, quando era advogado -brincadeira que caberia em uma descrição atual mais ácida do procurador.
Ao fim da conversa, Maduro pergunta que frase Tarek tatuaria no momento de vida atual. “Peace and love”, responde ele. “Paz e amor”, reforça em espanhol o ditador, que olha para a esposa e diz: “Se eu fizesse uma tatuagem, seria paz e amor também.”
GUILHERME BOTACINI / Folhapress