LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Após anos em declínio, sobretudo depois do grave incidente em Fukoshima em 2011, a energia nuclear está de novo em evidência, com o anúncio de planos de expansão em pelo menos 20 países.
A possibilidade de reduzir rapidamente as emissões de gases-estufa da geração de energia, com um método aplicável em larga escala e não afetado pelas oscilações meteorológicas, é considerada o principal atrativo do nuclear.
A guerra entre Rússia e Ucrânia, por sua vez, também ajudou no “revival” atômico, impulsionando a busca por alternativas ao petróleo e ao gás produzido no país de Vladimir Putin.
O tema, no entanto, divide ambientalistas em todo o mundo.
Para os grupos que discordam da adoção da energia nuclear, a possibilidade de acidentes e as dificuldades de manejo dos resíduos das usinas representam riscos que superam largamente os benefícios. O caminho eficaz para a descarbonização da matriz energética mundial seria apenas um: a adoção de fontes renováveis, como a eólica e a solar.
“A energia nuclear é certamente de baixo carbono, mas isso não a torna uma solução realista e eficaz contra as mudanças climáticas”, diz o Greeenpeace, em seu relatório sobre o assunto.
“Pior ainda, é demasiadamente lenta para ser implementada face à emergência climática, é muito vulnerável aos impactos do aquecimento global e dos perigos naturais, é muito perigosa para ser desenvolvida massivamente nos quatro cantos do planeta, é muito cara em comparação com outros sistemas de baixo carbono.”
Embora apoiem as renováveis, os ambientalistas pró-nuclear afirmam que hoje há condições de tornar a geração de energia atômica segura, eficiente e viável economicamente.
Na avaliação de Bruno Gonçalves, presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear de Portugal e professor no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, a escolha entre energias nucleares e renováveis é um “falso dilema”.
“Ambas podem coexistir e se complementar em um portfólio de energia diversificado. Podemos ter as duas juntas e, ao fazermos isso, podemos reduzir o custo da energia. E podemos ser menos intermitentes, sendo uma sociedade que cresce com energia para todos.”
Durante congresso sobre o papel da energia nuclear na transição energética, realizado na capital portuguesa, Gonçalves destacou as conclusões de um relatório da Unece (Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa). O documento salienta que as metas internacionais de redução de emissões não serão atingidas caso as fontes nucleares sejam excluídas.
“A maioria dos cenários com zero emissões líquidas só são possíveis se incluirmos a energia nuclear [na geração de energia]”, afirmou. “Isso faz sentido, porque a energia nuclear é uma arma de descarbonização em massa”, completou.
Além das questões de segurança, o elevado custo para a construção dos complexos com reatores nucleares costuma ser apontado como um ponto negativo à adoção dessa fonte de energia.
Nos últimos anos, porém, especialistas no tema indicam que os megacomplexos com grandes reatores devem ficar no passado. A principal aposta da indústria têm sido os chamados SMRs (pequenos reatores nucleares, na sigla em inglês).
Idealizados para construção modular e em dimensões mais reduzidas, esses reatores têm capacidade de geração de até 300 MW(e) por unidade, o equivalente a cerca de um terço dos reatores tradicionais.
A ambição é que eles se tornem populares, viabilizando a produção em escala, com potencial para redução de custos e melhoria nas questões de segurança.
“Muitos dos benefícios dos SMRs estão inerentemente ligados à natureza do seu design: pequeno e modular”, explica a Agência Internacional de Energia Atômica.
“Dada a sua menor dimensão, os SMRs podem ser instalados em locais não adequados para centrais nucleares de maior dimensão. Unidades pré-fabricadas de SMRs podem ser produzidas e depois enviadas e instaladas no local desejado, tornando-as mais acessíveis do que grandes reatores de energia, que muitas vezes são projetados de forma personalizada para um local específico, às vezes levando a atrasos na construção.”
A Agência Internacional de Energia Atômica fala ainda na possível utilização de microrreatores, projetados para ter potência de até 10 MW(e), que poderiam ser instalados em áreas remotas e zonas rurais com pouca oferta de linhas de transmissão.
“Os microrreatores poderiam servir como fonte de energia de reserva em situações de emergência ou substituir geradores que são frequentemente alimentados a diesel, por exemplo”, explica a entidade.
Apesar do entusiasmo do órgão, os projetos ainda devem levar tempo para sair do papel, precisando, ainda, comprovar que têm viabilidade econômica.
Em novembro, um dos principais projetos de pequeno reator nuclear nos Estados Unidos foi cancelado, em meio a um grande aumento na previsão de custos de produção. Inicialmente cotado em US$ 5,3 bilhões (R$ 25,7 bi) o reator, que deveria funcionar no estado de Idaho, saltou para um orçamento de US$ 9,3 bilhões (R$ 45,1 bi). O aumento foi atribuído à subida da inflação e às taxas de juros.
O revés, porém, não diminuiu as ambições do Estados Unidos pelas novas configurações atômicas. O país foi uma das 22 nações signatárias de um documento, liberado durante a COP28 (convenção do clima da ONU), em Dubai, com o compromisso de ampliar os investimentos na área.
O presidente da França, outro país signatário da missiva, Emmanuel Macron foi enfático: “A energia atômica está de volta”, declarou, durante sua passagem pela conferência do clima, no começo de dezembro.
A decisão, no entanto, não é consensual entre os países desenvolvidos, e nem mesmo na Europa. A vizinha Alemanha, por exemplo, interrompeu o funcionamento de suas últimas usinas nucleares em 2023.
GIULIANA MIRANDA / Folhapress