RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Com a soltura de duas pessoas detidas erroneamente após serem detectadas pelo novo programa de reconhecimento facial da Polícia Militar no Rio de Janeiro, a Secretaria de Segurança Pública afirmou, nesta sexta-feira (5), que “inconsistências do sistema podem ocorrer, por uma questão de atualização dos bancos de dados”.
“É por isso que a secretaria está trabalhando para unificar e integrar estes bancos de dados (polícia, Justiça e Governo Federal) para dar o máximo de automação a este processo e consequentemente mais rapidez nas abordagens”, disse a pasta, em nota.
Desde o anúncio do programa, o governo de Cláudio Castro (PL) disse que preparava a integração das informações do BNMP-Banco Nacional de Mandados de Prisão, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) com as do Estado. Atualmente, o Rio usa os dados do Sistema de Cadastro de Mandados de Prisão da Polícia Civil.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública, o sistema de reconhecimento facial utiliza um software com precisão. “Se ele mostra alguma informação sobre uma pessoa com mandado de prisão em aberto é função da polícia chegar a esta pessoa e checar a informação”, disse.
A Polícia Militar busca as informações no sistema da Polícia Civil, que usa o “SIPWeb”. A base de dados, de acordo com a corporação, depende de atualização do Poder Judiciário.
O Tribunal de Justiça do Rio disse que o banco de dados correto para a consulta é o BNMP2.0- Banco Nacional de Mandados de Prisão do CNJ. Caso não tenha um mandado de prisão em aberto nesse sistema, “nenhuma ordem de prisão fora do banco poderia ser cumprida”.
O advogado, especialista em tecnologia e colunista da Folha Ronaldo Lemos disse que bases de dados inconsistentes ou inadequadas são algumas das razões que levaram o uso do reconhecimento facial ter sido questionado no mundo inteiro.
“Outra razão são as características do próprio sistema, que apresenta taxas de erro. A tecnologia de reconhecimento facial funciona mais em lugares fechados como aeroportos do que em uma cidade onde há variações enormes nas condições de reconhecimento, como luz e clima”, explicou.
Ainda segundo Lemos, esse tipo de tecnologia tem sido banida pelas injustiças que ela pode gerar. “O percentual de erros é muito alto e esses sistemas acabam sendo afetando negativamente justamente populações que hoje já sofrem com atuações indevidas ou injustas”, disse.
No Rio, o projeto entrou em funcionamento na praia de Copacabana, no Arpoador e na Barra da Tijuca na noite do último domingo (31), durante os festejos de Réveillon. Até esta sexta, quatro pessoas foram presas por serem identificadas pelas câmeras de monitoramento como foragidas da Justiça.
No entanto, duas solturas ocorreram nesta quinta-feira (4) porque o mandado de prisão pendente no sistema de procurados estava inválido.
De acordo com o especialista em direito digital André Marsiglia, a Constituição prevê que o gestor público possui compromisso de que sua gestão se valha não apenas dos recursos necessários, mas também eficientes para a administração do Estado.
“A aquisição do sistema é um gasto público que precisa estar comprometido com a funcionalidade do banco, ou seja, com a capacidade de estarem integrados. Se isso não ocorre, o órgão e o agente público responsáveis podem ser juridicamente responsabilizados pela implantação inadequada do sistema e até mesmo pelos foragidos deixarem de ser presos em razão das inconsistências”, disse o advogado.
Casos de soltura
Nesta quinta (4), um homem foi solto após passar pela audiência de custódia. Segundo o processo pelo qual estaria foragido, o alvará de soltura foi expedido em junho de 2020 e cumprido pelo oficial de Justiça no mesmo dia. Por isso, o juiz Bruno Rodrigues Pinto considerou a prisão ilegal.
“Da leitura do processo original, verifico que, após a expedição da ordem de prisão, o juízo natural declarou extinta a punibilidade do custodiado e determinou a expedição de alvará de soltura. Assim, considerando que o cumprimento da ordem de prisão é manifestamente ilegal, declaro a ilegalidade da prisão e determino a expedição de alvará de soltura em favor do custodiado”, escreveu o juiz em um trecho da decisão.
O homem, que é argentino, foi preso pela primeira vez em 2016 e em 2020 foi condenado a quatro meses de prisão por furto a um supermercado. Mas a pena foi extinta porque ele já tinha passado oito meses preso e o juiz responsável pela causa entendeu que ele já havia cumprido a pena.
Ele foi detido na última terça (2), em Copacabana, depois que uma câmera de reconhecimento facial emitiu um alerta por causa do mandado de prisão que constava no sistema. O mesmo aconteceu com uma mulher identificada como foragida da Justiça pelo videomonitoramento na orla da praia.
O programa apontou erroneamente que existia um mandado de prisão de 2012 contra ela por roubo e formação de quadrilha que ainda estava em aberto.
Já na delegacia, policiais civis desconfiaram que os dados que constavam no sistema não estavam atualizados. Após contato com a Vara de Execuções Penais, os agentes verificaram que o mandado já tinha sido cumprido anteriormente, e a mulher foi liberada.
ALÉXIA SOUSA / Folhapress