Ponte que liga Rússia à Crimeia é atacada de novo; Putin deixa acordo de grãos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Ucrânia atacou pela segunda vez desde a invasão promovida pela Rússia de Vladimir Putin a ponte que liga a Crimeia, península do país anexada por Moscou em 2014, à região russa de Krasnodar. Um casal que estava em um carro morreu, a filha de 14 anos deles ficou ferida, e o tráfego foi suspenso.

A explosão, provocada por um drone submarino, ocorreu horas antes de os russos deixarem o acordo que permitia a exportação de grãos de Kiev pelo mar Negro. A ponte é o maior símbolo da absorção da Crimeia pelo Kremlin, ocorrida na esteira da derrubada do governo pró-Moscou em Kiev, assim como a guerra civil no leste do país —ambos os incidentes foram precursores da invasão promovida por Putin em 2022.

A construção foi inaugurada em 2018 pelo presidente russo, que dirigiu um caminhão ao longo de seus 19 km. Além de simbólica, a ponte, que abriga ainda uma linha férrea, é estratégica, sendo a principal via de suprimento para as tropas russas na península —a alternativa é a ponte terrestre estabelecida por meio da ocupação do sul ucraniano, mas ela é mais longa, lenta e exposta a ataques de Kiev.

Na TV, Putin afirmou que os ucranianos cometeram “um ato terrorista” e que a resposta militar à ação estava sendo elaborada. Kiev não se manifestou imediatamente, mas o ministro Mikhailo Feodorov (Transformação Digital) admitiu no Telegram o uso de “novos drones” para tentar derrubar a estrutura.

Isso não chegou a ocorrer, mas ao menos uma das pistas foi danificada, embora imagens nas redes sugiram um dano mais extenso. O governo da Crimeia estimou em um mês o tempo de reparo, enquanto em Moscou o prazo dado foi novembro. No momento da ação, às 3h (21h de domingo no Brasil), um carro com placa da região russa de Belgorodo passava pela obra. A filha do casal no veículo está hospitalizada.

Em outubro do ano passado, no primeiro ataque à ponte desde o início da guerra, uma explosão bem mais forte, mas talvez menos destrutiva, provocada por um caminhão-bomba, afetou parte da estrutura, que foi fechada e passou por reformas. O tráfego só foi totalmente normalizado em fevereiro deste ano.

Naquela ocasião, a explosão foi um grande choque para os russos, que consideravam a ponte sobre o estreito de Kertch, ligando a cidade homônima na Crimeia à região russa de Krasnodar, a salvo dos efeitos da guerra. O Ministério da Defesa em Kiev acabou admitindo a ação meses mais tarde.

Putin respondeu àquele ataque dois dias depois, com o início de uma campanha para degradar a infraestrutura energética da Ucrânia. Com mísseis e drones, ele promoveu diversas ondas de bombardeios até o começo deste ano, visando a deixar a população sem eletricidade ao longo do inverno.

Foi em parte bem-sucedido, com momentos de apagão em todo o país, mas ao fim a rede sempre acabava restaurada. O Kremlin segue com os ataques aéreos, mas a campanha sistemática foi abandonada.

A Crimeia é um dos alvos presumidos da contraofensiva ucraniana que tem dificuldades para avançar. Iniciada em 4 de junho, a ação ainda não rompeu defesas russas nem isolou a península, cortando a ligação por terra com a Rússia pelas regiões de Kherson e Zaporíjia, no sul. Já houve ataques com mísseis de longa distância fornecidos pelo Reino Unido a pontes no norte da península, mas sem grandes efeitos.

**RÚSSIA SUSPENDE ACORDO DE GRÃOS**

Nesta segunda, Putin também confirmou que suspenderá a participação da Rússia no acordo que permitia a exportação de grãos ucranianos pelo mar Negro. O Kremlin já havia sinalizado a medida, e o porta-voz Dmitri Peskov afirmou que ela não teve nada a ver com o ataque à ponte. “O presidente Putin já havia expressado sua opinião sobre o tema.”

Desde a semana passada, o governo russo já havia dito que deixaria o acordo, que vence nesta terça (18). Os russos consideram que a contrapartida à permissão para navios circularem sem se tornarem alvos, um pacto paralelo facilitando a exportação de seus grãos e fertilizantes, não foi implementada totalmente.

A Ucrânia e os mediadores do arranjo, a Turquia e a ONU, foram notificados. Chamada de Iniciativa de Grãos do Mar Negro, a medida permitiu que 32 milhões de toneladas de grãos ucranianos deixassem o país, devolvendo os preços internacionais do trigo aos patamares pré-guerra. A inflação global de alimentos do primeiro semestre de 2022 foi largamente creditada ao bloqueio naval na região.

O acerto havia sido fechado em 22 de julho de 2022 e renovado em três ocasiões. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, chegou a anunciar na última sexta que Putin havia aceitado a renovação do pacto.

Peskov afirmou que a Rússia retomará o acordo imediatamente caso suas condições sejam satisfeitas. Já a União Europeia acusou Putin de transformar a fome em países mais pobres em uma arma de sua guerra.

“Condeno fortemente o movimento cínico da Rússia”, afirmou em um post no Twitter a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen. O diplomata-chefe do bloco europeu, o espanhol Josep Borrell, disse que o ato foi “algo muito sério, que criará vários problemas para muita gente em todo o mundo”. A Casa Branca e aliados como França e Alemanha pediram que Putin reconsidere a ação.

Enquanto isso, o secretário-geral da ONU, António Guterres, que ajudou a mediar o acordo inicialmente, qualificou a decisão como um “golpe para pessoas necessitadas em todos os lugares”. Kiev reagiu dizendo que pretende manter o corredor naval aberto com a ajuda da Turquia, um membro da Otan, a aliança militar ocidental. Não está claro se a Rússia faria algo, militarmente, contra navios civis na região.

IGOR GIELOW / Folhapress

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