SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aos sete anos de idade, Gizele Silveira vivia acamada no Caratoíra, bairro da periferia de Vitória (ES). Acometida por uma doença crônica e com pouco acesso a tratamento na época, ela não podia andar, sofria com dores no corpo e chegou a ser desenganada pelos médicos.
Filha única de uma mãe solo que ela descreve como “emocionalmente fechada”, Gizele passava seus dias assistindo aos shows e clipes de Madonna na TV. “Costumo dizer que minha mãe foi a Madonna. Foi ela quem me inspirou quando criança a ir atrás dos meus sonhos”, conta, em entrevista ao F5.
Ainda pequena, Gizele compôs suas próprias versões em português para sucessos da rainha do pop. O refrão “holiday/celebrate” virou “feriado/comemore” na voz da simpática menina de cachos loiros que viralizou na internet antes mesmo da existência do verbo “viralizar”. Ela ficou conhecida como Madonninha Capixaba e virou um fenômeno na internet e na TV.
A fama, na época, lhe deu acesso a um tratamento que ainda estava sendo desenvolvido para sua doença, a atrite reumatoide. Aos 15 anos, passou a ter os sintomas controlados.
Hoje distante da carreira musical, Gizele conserva o carisma e o jeito risonho da menina do Caratoíra –e, claro, o amor por Madonna. Morando nos EUA há dez anos, ela já assistiu a dois shows da rainha do pop. “Ela continua sendo minha maior inspiração”, afirma.
Gizele tem 38 anos, trocou a periferia de Vitória pelas praias da Flórida e hoje trabalha como assistente jurídica. “É uma profissão comum aqui, chamada ‘paralegal'”, explica. Mãe de Angelinna (o “n” dobrado, ela frisa, é uma homenagem à rainha do pop), de 11 anos, e de Adam, de 5, Gizele tem orgulho de dizer que, assim como Madonna, é mãe solo.
“Ela também não deu certo no amor. Foi abusada, sofreu com os homens. Mas hoje, como ela diz, tudo o que ela faz é pelos filhos”, conta Gizele. “Eu sofro muito como mãe solo, mas minha razão de viver são meus filhos.”
Gizele narra ter sido vítima de violência doméstica e patrimonial em seu último relacionamento, e diz que lutou para reconstruir a vida nos EUA após ser presa e quase deportada, segundo ela, em uma armação feita pelo ex-marido. “Hoje eu não tenho medo de nada”, afirma.
Sempre inspirada por Madonna, ela voltou a estudar após se livrar do relacionamento abusivo e iniciou, aos 38 anos, uma graduação em direito. Quer ser advogada de imigração. “Quero ajudar pessoas, famílias, imigrantes como eu, a terem um futuro melhor. Encontrei vários anjos no decorrer da minha vida”, conta.
TRAJETÓRIA PELO MUNDO
Gizele mora nos EUA desde 2014, mas deixou o Brasil antes disso, em 2008, para se dedicar à carreira musical. Seu primeiro destino foi Portugal e depois Itália, onde se apresentava como cantora. Em seguida, foi para Londres estudar, conheceu seu primeiro marido e foi morar na África do Sul. Já separada e com uma filha, mudou-se para a Flórida, onde conheceu o pai do segundo filho.
Nos EUA, Gizele já viu dois shows da rainha do pop: um em Dallas, no Texas e outro em Tampa, na Flórida. “No show de Dallas, ela estava mais simpática. No daqui, já estava um pouco mais arisca”, conta ela, que levou a filha para conhecer a diva de pertinho.
“Ela nem piscava. Foram três horas de show, e ela não queria nem ir ao banheiro para não perder nenhuma música. Ela falou: ‘Mãe, vou poder falar para todo mundo que eu vi a Madonna, ela é uma lenda'”, conta.
“Eu fui explicando tudo para ela. Nessa turnê, a Madonna conta a história da carreira dela e de tudo o que estava acontecendo politicamente e artisticamente no mundo. Ela fala dos anos 1980, 1990, da Aids, dos hippies, dos gays, da liberdade sexual. Expliquei para minha filha que ela foi uma das primeiras a falar sobre tudo isso”, diz.
Fã atenta, Gizele grava na memória todos os passos e discursos de Madonna nos shows. Se estivesse no Brasil, porém, Gizele confessa que não encararia o show de Copacabana. “Não posso com muvuca, gosto do meu VIP”, diz ela, que pagou US$ 600 (cerca de R$ 3.117 no câmbio atual) para ver a diva na primeira fileira. “Valeu cada centavo, fiquei coladinha nela. Deu para ver até as rugas”, diverte-se.
‘DEFENSORA DOS MENOS AFORTUNADOS’
“Acho que algumas pessoas não entenderam porque ela quis fazer esse show no Brasil. A Madonna sempre foi defensora dos menos afortunados. O rico sempre vai poder ter acesso a ela. Imagine eu, se ainda fosse aquela menina da favela… Minha mãe não teria condições de comprar um ingresso, mas eu poderia ir à praia e vê-la”, explica Gizele.
Segundo ela, nos shows dos EUA, Madonna se locomove em três palcos e uma passarela, para dar a todos os fãs a oportunidade de vê-la de perto. “Ela quis encerrar a turnê no Brasil porque ela quer levar o show para as pessoas que a apreciam. Vai ficar na história deles para sempre, pessoas que não teriam condições de ver um show dela”, diz.
Gizele ainda aposta que Madonna deve anunciar sua aposentadoria no palco de Copacabana. “Ela está com 65 anos, fazendo todas as coreografias, tomando cerveja no palco. Acho que ainda veremos um acústico dela com 70 anos, mas pulando e dançando desse jeito, essa é a última oportunidade de ver. A turnê está maravilhosa. A filha dela toca piano com ela no palco e ela fala: ‘Eu não poderia ter mais gratidão que isso'”, relata.
Praticante da umbanda, Gizele conta que aprendeu com a espiritualidade a dar valor à vida e aproveitar o máximo que puder, sempre com alegria. “Quando você está à beira da morte, como eu, que fui desenganada ainda criança, ou quando tem uma condição crônica de saúde, você aprende a valorizar tudo o que pode ter”, avalia. “Hoje estou andando, amanhã não estou. Um dia estou lá pulando no show da Madonna, no outro não posso andar e tenho que pedir ajuda à minha filha para levantar da cama. Então vou aproveitar ao máximo enquanto é tempo.”
ANAHI MARTINHO / Folhapress