SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Era manhã no Brasil, mas o sol já havia se posto na Austrália quando a seleção brasileira desembarcou na cidade de Brisbane, na última terça-feira (25). As atletas que jogam pelo Brasil na Copa do Mundo feminina deixaram o avião, onde passaram as últimas 24 horas, vestindo seus ternos com um delicado tom de azul –os primeiros feitos sob medida na história do futebol feminino brasileiro.
A novidade, que acontece no mesmo ano em que o governo Lula adotou ponto facultativo em jogos da seleção brasileira na competição maior do futebol feminino, é fruto de uma parceria da Confederação Brasileira de Futebol, a CBF, com a Animale, marca de moda fundada em 1991 por Claudia e Roberto Jatahy que hoje faz parte do grupo Soma.
E a seleção brasileira não é a única que ostentará roupas sob medida na Austrália. A USWNT, time dos Estados Unidos, firmou uma parceria com a Nike e a renomada designer Martine Rose, enquanto as jogadoras chinesas ganharam os sóbrios contornos da Prada.
Monayna Pinheiro, professora do curso de Moda da FAAP, explica que essas parcerias de esporte e moda são comuns, como quando Ricardo Almeida fez os ternos da seleção masculina em 2018. A novidade é que esse cuidado também alcance o esporte feminino.
A busca pelo belo não ficou de lado, como ela explica. “A Animale, com esse azul lavanda, traz um aspecto mais colorido, vivo do que os outros. E o fechamento do terno é bem interessante, porque não tem um transpasse, mas um detalhe que é como se fosse uma extensão do próprio tecido que faz o fechamento no lado. Isso traz uma modelagem diferenciada e uma sensação de conforto.”
Isabel Del Priore, CEO da Animale, conta que a ideia inicial era fazer as peças no clássico verde brasileiro, mas adotou o azul quase lilás por sugestão das jogadoras. As peças de alfaiataria, tradição da marca, foram adaptadas às necessidades das jogadoras, buscando entregar conforto, mobilidade, modelagem e respeito à diversidade.
“Conversamos com muitas delas no momento de criação. Nessas trocas, diversas alterações foram feitas, como shape, cor e matéria-prima, garantindo um equilíbrio entre os direcionamentos das atletas, o conforto e o DNA de moda da marca estivessem presentes no resultado final”, conta Del Priore.
“Na prática, isso vai desde a manga da blusa -a pedido delas, ajustamos a manga, que inicialmente seria curta, para cobrir a marca de sol no braço [efeito do uso contínuo da camisa de jogo]– até mudanças no corte da calça para valorizar a silhueta, considerando que são atletas de alta performance.”
O projeto foi tomado como uma oportunidade de reforçar os compromissos da empresa com a equidade de gênero, princípio central para a marca, que é embaixadora do Movimento Elas que Lideram, parceria do Pacto Global com a Organização das Nações Unidas que busca levar 11 mil mulheres para cargos de alta liderança até 2030.
A Animale também firmou uma parceria com o projeto social Pretas em Campo, da ONG Empodera, que usa o futebol para combater as violências de gênero e racial entre meninas jovens e negras em situação vulnerável, no Rio de Janeiro.
O terno de Martine Rose e da Nike para a seleção americana busca dissolver as barreiras entre masculino e feminino. “Quando uma mulher veste um terno, expressa força, resiliência e beleza”, diz Martine em um material divulgado pela empresa.
“Quero que as mulheres se sintam poderosas em seus ternos, assim como os homens. Além disso, embora esteja usando mulheres para contar a história, não há gênero associado ao terno. Qualquer um pode usá-lo. Espero que um dia não estejamos falando sobre gênero no esporte, estejamos apenas falando sobre o esporte. Quando tudo é reduzido ao essencial, só resta o jogo.”
Monayna explica como a designer buscou alcançar essas peças sem gênero. “O transpasse do terno é o masculino. Então eles estão brincando com essa questão do gênero, com a construção histórica do terno.”
“A Martine Rose falou em várias entrevistas que veio da ideia de ter um terno muito mais simples, sem abotoamento aparente, com linhas mais simples, mas que brinca com essa ideia de um fechamento do lado esquerdo para o direito, historicamente masculino.”
Já o da Prada, ela diz, vai por outro caminho. “Já tem um fechamento feminino, mas tem uma construção que é do universo tradicional masculino: o terno preto, com a camisa branca, com o mocassim preto.”
Monayna lembra que apoiar o esporte feminino não é a única intenção dessas marcas. A Prada, por exemplo, busca expandir sua atuação no mercado chinês. Bruno Pompeu, professor do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade de São Paulo, chama a atenção de olhar essas parcerias em sua aula.
Pompeu lembra que o futebol feminino foi proibido no Brasil até 1979. Do fim da proibição para cá, a categoria se desenvolveu rapidamente até chegar neste ano, quando, graças a uma conjuntura nacional e internacional, o esporte ganhou grande visibilidade, atraindo marcas para todo tipo de patrocínio. Esse tipo de apoio contribui não apenas financeiramente, mas também para valorização e visibilidade do esporte.
“O lado crítico é de um inevitável oportunismo das marcas. Essas marcas existem há bastante tempo e o futebol feminino também, por que só agora, quando já se tem alguma visibilidade, que essas marcas decidem vestir a seleção?”, mas ele ressalta que isso não quer dizer que as marcas são necessariamente oportunistas –essa é a natureza da publicidade, buscar a venda.
“Tudo isso é muito complexo e ambíguo, podendo ser olhado por vários lados. Não podemos tratar disso só por uma perspectiva, sendo completamente aderentes ou completamente destrutivos.”
Vale mencionar que a atenção ao vestiário feminino não aumentou apenas fora do campo. Nike, Rebook e Adidas estão entre as marcas que buscam garantir uniformes apropriados para as jogadoras, cada vez mais adaptados a suas necessidades.
O short Nike One Leak Protection, que usa uma tecnologia similar a das calcinhas menstruais, ganhou atenção da mídia por ser uma novidade que promete aumentar o conforto e a segurança das jogadoras durante o ciclo menstrual.
DIOGO BACHEGA / Folhapress