Por que, mesmo com sucesso das novelas, cinema do Brasil naufraga em Portugal

LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Brasil e Portugal renovaram, há cerca de um mês, o protocolo de fomento bilateral do setor audiovisual por meio da Ancine, a Agência Nacional de Cinema, e do similar português ICA, o Instituto do Cinema e do Audiovisual.

O novo acordo cinematográfico entre os dois países, assinado inicialmente em 1981, prevê seleção de projetos de longa-metragem apresentados por produtoras brasileiras independentes em regime de coprodução internacional, de participação minoritária brasileira, com produtoras portuguesas. O aporte financeiro previsto é de R$ 1.870.365,00.

Ao contrário das novelas e da música do Brasil, que têm excelente desempenho em Portugal, quando o assunto é cinema brasileiro, o interesse dos portugueses, com raras exceções, é o oposto. Nem mesmo a presença de cerca de 300 mil imigrantes brasileiros, a maior comunidade estrangeira em Portugal, consegue reverter essa realidade no país de pouco mais de 10 milhões de habitantes.

Dados do ICA indicam que o filme brasileiro que conseguiu melhor popularidade em Portugal é “Tropa de Elite”, que passou os 55 mil espectadores. “Bacurau” registrou 3.574 espectadores. “A Vida Invisível” teve retorno um pouco melhor, 4.172 espectadores, mesmo em plena pandemia.

“Tudo Bem no Natal Que Vem”, estrelado por Leandro Hassum, lançado no Natal sob coronavírus de 2020, foi bem recebido pelos portugueses e chegou ao primeiro lugar entre os mais vistos da Netflix.

Além desses filmes, muitos outros já passaram pelo Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira, extinto em 2020, depois de vinte edições anuais, no norte do país. “O Lobo Atrás da Porta”, de Fernando Coimbra, “Que Horas Ela Volta”, de Anna Mulyaert, “Boi Neon”, de Gabriel Mascaro, e o documentário “Um Homem de Fenyang”, de Walter Salles, foram alguns dos destaques nas exibições, atraindo, em grande maioria, um grupo restrito de portugueses admirador do cinema “brazuca”.

Em 1974, “Dona Flor e seus Dois Maridos”, estrelado por Sonia Braga, garantiu sucesso de bilheteria em Portugal, assim como versão da série de 2013, produzida no Brasil, também exibida na televisão portuguesa.

Sete anos antes, a imprensa portuguesa registrava que “Macunaíma”, com Grande Otelo no papel principal, causou longas filas ver o clássico brasileiro no Palácio Foz, em Lisboa, encerrando uma década quando apenas outros quatro filmes brasileiros tinham sido exibidos em Portugal.

A tímida participação do cinema brasileiro na vida cultura portuguesa impossibilita, até mesmo, a indicação de um “top ten” devido à limitação de dados oficiais do ICA sobre as produções brasileiras, raramente exibidas nos 569 cinemas portugueses. “Tropa de Elite” é um ponto fora da curva por liderar, há quase duas décadas, em popularidade.

Nos últimos dez anos, os filmes brasileiros exibidos, em geral, no país, são selecionados com base em participações em festivais de cinema internacionais, como Cannes, Berlim e Veneza. No entanto, o reduzido número de salas, o curto período de exibição e os horários desfavoráveis resultam em bilheterias fracas e pouco retorno financeiro para os exibidores.

Para Américo Santos, proprietário da distribuidora de filmes brasileiros Nitrato Filmes, uma das possibilidades da falta de interesse dos portugueses para o cinema comercial brasileiro tem base econômica. “O público em geral acompanha os conteúdos brasileiros pela TV. Já conhece os artistas e entende a linguagem. Daí, não vê necessidade de pagar por filmes que exibem conteúdos similares de acesso gratuito em casa.”

Há quase um ano, a paulista Ana Paula Caldas exerce o cargo de diretora de marketing e programação da Cineplace, a segunda maior rede de cinemas em Portugal, depois de 20 anos de experiência na Cinemark. Ela diz que a rede garante espaço para produções estrangeiras, tanto brasileiras, quanto de outros países.

Para António Quintas, proprietário do FilmSpot, site de cinema português, o humor é uma barreira. “Tanto as comédias brasileiras como as portuguesas têm uma limitação comum à exportação: o humor é local, funciona com o público do país de origem, mas não se transporta bem para outro lugar, mesmo com uma língua comum”, diz ele. “Talvez, tenha sido o motivo de ‘Minha Mãe é uma Peça’, estrelado por Paulo Gustavo, não ter chegado aos cinemas portugueses.”

“O cinema brasileiro precisa adaptar o modelo de promoção e distribuição. Temos um bom exemplo recente, ‘Retratos Fantasmas’. Há poucas semanas, teve sala cheia no cinema S. Jorge em Lisboa. Mais de 800 pessoas, algo que o realizador qualificou como das melhores sessões que viu na sua carreira”, afirma Quintas.

Na saída de uma sessão de “Oppenheimer”, o universitário Nuno Feijó demonstrou surpresa ao ser questionado se já tinha assistido a filmes brasileiros. “Confesso que nunca tive interesse. Não me identifico com o Brasil, apesar de dividirmos o mesmo idioma”, disse. “Meu desinteresse é devido à sexualização das mulheres nas telenovelas. Como no cinema há controle de idade, com certeza, haverá cenas que me deixarão nada confortável, por, quase sempre, eu ir ao cinema em companhia de minha mãe. Amamos filmes.”

A mãe, Filipa Moura, discorda do filho. “Amo o cinema brasileiro. Amo a música também. Meus preferidos e inesquecíveis são ‘Central do Brasil’, ‘Cidade de Deus'”, diz. “É pura realidade. Até de olhos fechados, vale o bilhete. É uma experiência única. E a mulher brasileira é mais ousada, no bom sentido. Meu filho é, como se diz no Brasil, muito careta, não tá com nada”, diz a médica, às gargalhadas.

Para o brasileiro Daniel Moura, estudante de Cinema em Portugal, a falta de interesse pode estar baseada na cultura dos portugueses de economizar os gastos, principalmente em lazer, e à cada vez mais visível rejeição ao Brasil, impulsionada pelo aumento de imigrantes brasileiros.

“Suponho que eles prefiram gastar dinheiro com um filme americano, que esteja bombando, do que gastar com um filme brasileiro. Numa ida ao cinema, aqui, gastamos em média 25 euros, se somarmos a entrada à pipoca e ao refrigerante. Para mim, é caro. Mas, se tiver um filme brasileiro, com certeza, não vou deixar de ver.”

WAGNER MATHEUS / Folhapress

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