SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao lançar a peça “O Rei da Vela”, em 1967, o diretor teatral e dramaturgo Zé Celso Martinez Corrêa, morto nesta quinta-feira (6) vítima de um incêndio em seu apartamento, deu vida a um texto que considerava ser uma “revolução de forma e conteúdo para exprimir uma não revolução”, como disse à Folha de S.Paulo naquele ano.
De caráter rebelde e anarquista, a peça escrita por Oswald de Andrade e dirigida por Zé Celso tece críticas à sociedade. Na trama, um personagem chamado Abelardo 1º tenta enriquecer com uma fábrica de velas quando as empresas de energia elétrica fecham, já que a população não tem dinheiro para pagar as contas.
O livro de “O Rei da Vela” foi publicado em 1937, às vésperas de Getúlio Vargas instaurar uma ditadura no Brasil, período que ficou conhecido como Estado Novo.
A trama faz um retrato de um país subdesenvolvido mergulhado numa crise financeira. Abelardo, que só pensa em escalar socialmente, empresta dinheiro a juros impagáveis e planeja um casamento com uma aristocrata do Rio de Janeiro.
“O Rei da Vela” fala ainda dos conflitos que surgem a partir da concentração de poder. Serviu, naquela época, como um grito contra o autoritarismo e a censura da ditadura militar, que havia tido início três anos antes.
Levou 30 anos para que o texto ganhasse os palcos devido à sua natureza rebelde e anarquista. O Teatro Oficina procurava uma história para inaugurar sua nova casa de espetáculos que desse ao público uma nova visão sobre o teatro e a realidade brasileira, disse Zé Celso na época da estreia da peça.
“Eu havia lido o texto há alguns anos e ele permanecera mudo para mim. Me irritara mesmo. Parecia modernoso e futuristóide. Mas, mudou o Natal, e mudei eu. Depois de toda a festividade esgotar suas possibilidades de cantar a nossa terra, uma leitura do texto em voz alta para um grupo de pessoas fez saltar, para mim e todos os colegas do Oficina, todo o percurso de Oswald na sua tentativa de tornar obra de arte toda a consciência possível do seu tempo.”
Comandado até hoje por Zé Celso, o Teatro Oficina costumava falar abertamente, a partir de suas peças, sobre o contexto social e político em que o público estava inserido. Não havia tentativa de alienação, ainda que o Brasil passasse pela ditadura.
A montagem de “O Rei da Vela” marcou a reinauguração do teatro em São Paulo o primeiro prédio havia sido arruinado por um incêndio no início dos anos 1960.
Havia um quê de visceral na encenação dirigida por Zé Celso, o que foi criticado por parte do público. Mas o dia da estreia foi aplaudido pelas pessoas presentes, para a satisfação do dramaturgo.
“De sua consciência utópica e revolucionária, Oswald reviu seu país, e em estado de criação quase selvagem captou toda a falta de criatividade e de história desse mesmo país”, disse Celso no dia. “A peça, seus 34 anos e o fato de não ter sido montada até hoje, fez com que captássemos as mensagens do autor e as fizéssemos nossas mensagens de hoje.”
Redação / Folhapress