Por que ser menina está na moda, com laços e cor-de-rosa por todos os lados

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ser menina está na moda. Cor-de-rosa, tutus de balé, sapatilhas, presilhas de cabelo, gola Peter Pan, lacinhos, meias brancas e até a cor do ano da Pantone, “peach fuzz”, atestam que os símbolos da feminilidade juvenil estão em alta.

Mas não é só no vestuário e design que essa tendência aparece. No cinema, imperaram filmes como o blockbuster absoluto “Barbie”, de Greta Gerwig –uma celebração visualmente estonteante da boneca mais famosa do mundo.

“Priscilla”, de Sofia Coppola, também gerou burburinho com a autobiografia da ex-mulher de Elvis Presley que narra em tons pastel, com muito esmalte e laquê de cabelo, como foi viver em torre de marfim em Graceland.

Nos costumes, o TikTok foi fonte de tendências como “girl math”, em que mulheres faziam vídeos explicando cálculos malucos para justificar gastos superficiais ou a sensação de que estavam ganhando algo de graça quando pagam com muita antecedência, por exemplo, ingressos de shows ou um produto que demora a ser entregue.

“Girl dinner”, em que mulheres compartilhavam seus jantarzinhos de quando não estavam acompanhadas de namorados, também ganhou força. Eram imagens de pequenos sanduíches, pratos com alguns petiscos e, às vezes, nada além de uma taça de vinho.

O mundinho cor-de-rosa das mulheres foi coroado com a turnê faraônica de Taylor Swift, quando não faltou glitter, montação e se consagrou a troca das pulseiras da amizade.

Segundo Marielen Santos, analista da Box1824, uma empresa previsora de tendências, o que acontece agora é “uma celebração coletiva da feminilidade como antídoto a um mundo onde ser homem e adotar códigos masculinos como demonstração de força e poder não é mais o único caminho possível para demonstrar sucesso”.

Essa feminilidade celebrada, porém, é muito diferente daquela da girlboss dos anos 2010, em que o sucesso da mulher era atrelado a posições de poder no trabalho. Agora, é uma questão estética, de resgate de signos.

É aí que entram em cena, por exemplo, as mulheres adultas, nos seus 30 e 40 anos, indo a shows da Taylor Swift e trocando as pulseiras da amizade, objetos feitos de miçangas plásticas coloridas e com mensagens relativas à obra da diva pop, como nomes de músicas e de álbuns.

Na moda, marcas como Sandy Liang, queridinha da geração Z, usam e abusam de lacinhos de cetim e referências à estética de bonecas, como sapatos mary jane, penteados em trancinhas.

Então mulheres em seus mais de 30 anos, com salários altos e responsabilidades muito adultas, torram rios de dinheiro em sapatilhas, presilhas e montam um guarda-roupa cor-de-rosa.

Maíra Zimmerman, professora de história da moda na FAAP, diz que, na moda, o visual escolar é a referência máxima de quem busca embarcar na meninice.

“A geração Z pode brincar com a feminilidade por causa das lutas feministas desde os anos 1960. São mulheres que recebem uma sociedade com menos preconceito, com mais informação”, diz a professora. “Vem como orgulho de poder ser menina.”

Ser menina –não mulher, mas menina– agora significa experimentação, liberdade e tudo isso pode ser vivido com o poder aquisitivo de uma adulta, diz Santos, a analista de tendências.

O filme “Barbie”, diz Zimmerman, ilustra bem esse cenário. A boneca vive uma rotina de festas, praia e passeios com suas amigas em um mundinho cor-de-rosa cheio de roupas bonitas e lanchinhos perfeitos. No longa-metragem de Greta Gerwig, a Barbie vivida por Margot Robbie termina o filme abrindo mão de sua vida plástica para ser uma humana. A passagem é marcada pela cena em que ela vai ao ginecologista, um dos principais ritos de entrada na vida adulta para meninas.

“Barbie” não foi o primeiro filme com o dedo de Gerwig a falar do amadurecimento feminino. “Lady Bird”, de 2018, rendeu a ela uma indicação ao Oscar de direção pela história com subtexto autobiográfico de uma garota crescendo na pacata Sacramento, no interior da Califórnia, nos Estados Unidos. Antes disso, ela assinou o roteiro e estrelou “Frances Ha”, de 2012, um queridinho cult sobre uma dançarina que tenta se encontrar.

Mas eles não tinham o mesmo apelo plástico que “Barbie”. Para Healy, a definição literal de girlhood, que abarca um período no tempo da vida de uma mulher, não é mais suficiente. “Estou interessada em entender a estética e a experiência compartilhadas e um modo de ver o mundo que persiste na maturidade feminina.”

Essa visão do mundo a partir dos olhos femininos e juvenis é o que marca, por exemplo, a obra de Sofia Coppola, diretora do novo “Priscilla”.

A cineasta baseou sua carreira em fazer filmes sobre meninas e mulheres e entrou para o cânone girlie com obras como “Virgens Suicidas”, de 1999, sobre irmãs deprimidas e privadas de sociabilidade pelos pais conservadores, ou “Maria Antonieta”, de 2006, que trata a corte francesa pré-revolucionária como um clipe de rock.

Para Hannah Strong, crítica de cinema e autora de “Sofia Coppola: Forever Young”, os filmes da diretora mostram como a adolescência é forjada a partir da ideia da identidade em formação. “Nem toda adolescente pode ser adolescente e a experiência de ver um filme de Coppola é sentir essas restrições que encaramos nos encaramos de volta.”

São restrições como os pais conservadores das irmãs Lisbon de “Virgens Suicidas” ou das normas da corte de “Maria Antonieta”, ou até o controle de Elvis em “Priscilla”.

Mas 2023 foi um ano de restrições para as mulheres como um todo. Foi, por exemplo, o primeiro ano da derrubada do direito ao aborto via Roe vs. Wade nos Estados Unidos, que vive uma luta por acesso à contracepção em estados conservadores desde então.

Para mulheres nos seus 30 a 40 anos, o apoio nessa estética pode ser uma busca pelo conforto de uma juventude descomplicada, agora com maior controle e com uma certa magia pelo elemento nostálgico.

Essa feminilidade celebrada na tendência girlie passa longe daquela da mulher adulta, associada ao trabalho doméstico desse período, que costuma vir atrelado a casamento e filhos.

Healy, a autora de “Look: Girlhood”, defende que o uso de símbolos da juventude feminina são uma forma de recusar as expectativas de entrar em termos com o ideal de como uma mulher adulta deveria ser. “Sabemos que são símbolos infantilizados e, ao usá-los, estamos dando novos significados”, diz.

A autora diz que “existe um senso de liberdade em se tornar você mesma antes da domesticidade da vida adulta com o qual vale a pena se reconectar”, de modo que a aposta nessa estética e comportamento seja uma forma de subversão da norma do que é ser mulher.

“Mulheres estão reivindicando a identidade de ser garota. É algo que costumava ser um insulto, implicava fraqueza, imaturidade. Agora, é quase descolado, com um tipo de despreocupação”, afirma Strong.

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BÁRBARA BLUM / Folhapress

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