SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em nome da saúde e do meio ambiente, entidades de todo o mundo se uniram e lançaram a campanha Kick Big Soda Out (chute para fora a grande indústria do refrigerante, ou ‘big refri’, em tradução para o português) para tentar barrar o patrocínio da Coca-Cola aos Jogos Olímpicos, uma parceria que já dura 96 anos.
A campanha já apareceu em revistas médicas, como The Lancet e British Medical Journal, além de contar com a assinatura de 140 mil pessoas e endosso de mais de 80 organizações mundo afora.
Além de advogar pelo fim do patrocínio olímpico da gigante de bebidas, as entidades querem que o Comitê Olímpico Internacional (COI) se comprometa a não aceitar recursos de patrocinadores que prejudiquem a saúde e o ambiente.
Para fundamentar a campanha, as entidades, encabeçadas pela Vital Strategies, organização global de saúde e de consultoria, usaram os próprios compromissos já assumidos pelo COI.
O primeiro pilar de argumentação das entidades são os danos à saúde causados por bebidas açucaradas, como refrigerantes, que incluem o aumento das taxas de obesidade, diabetes e doenças cardíacas.
O segundo pilar diz respeito ao impacto ambiental, devido à poluição causada pelas embalagens plásticas, à emissão de gases do efeito estufa e ao esgotamento de água, fatores que contribuem com as mudanças climáticas. O COI também se comprometeu com o Acordo de Paris a reduzir suas emissões e compensá-las.
Por fim, o terceiro pilar tem foco nas gerações futuras, com o argumento de que a exposição a comida não saudável é um fator de risco para obesidade infantil. “Com o patrocínio contínuo da Coca-Cola, como o COI pretende honrar seu compromisso com o bem-estar e a saúde dos jovens?”
“Essas bebidas estão entre os produtos mais fortemente promovidos no mundo. Em busca de lucro, a indústria global de bebidas gasta bilhões em promoção e marketing, muitas vezes direcionando suas ações a populações específicas, como crianças, grupos raciais e étnicos específicos e países em desenvolvimento”, diz Trish Cotter, líder global do programa de políticas alimentares na Vital Strategies.
Para Cotter, o patrocínio esportivo seria uma forma indireta de alcançar crianças e adolescentes, que podem ser especialmente suscetíveis ao marketing esportivo. Ele diz que a indústria patrocina eventos esportivos porque quer que suas bebidas sejam associadas a sentimentos positivos relacionados aos esportes e suas grandes estrelas, numa prática conhecida como “sportswashing”.
“Estima-se que mais de um bilhão de pessoas assistiram às Olimpíadas de Paris na semana passada — uma audiência verdadeiramente global. E, mais uma vez, o COI deu à Coca-Cola uma oportunidade de ouro para promover suas bebidas não saudáveis durante os Jogos, continuando uma relação de quase 100 anos”, diz Cotter.
Seis entidades brasileiras aderiram à causa: ACT Promoção da Saúde (ACT Health Promotion), Aliança pela Alimentação Saudável, Fórum Baiano de Direito Humano a Alimentação Adequada (FBDHAA), Instituto de Defesa de Consumidores/Brazilian Institute of Consumer Protection, Observatório Brasileiro de Conflitos de Interesse em Alimentação e Nutrição/Brazilian Observatory of Conflicts of Interest in Food and Nutrition (ObservaCoi) e Instituto Desiderata.
O pesquisador Barry Popkin, da Universidade da Carolina do Norte (EUA), outro líder da campanha, disse que o açúcar “é o tabaco da dieta” e lembrou da ligação entre consumo de bebidas açucaradas e diversos tipos de câncer.
Popkin destacou a crescente conscientização das pessoas sobre a necessidade de reduzir o consumo desses produtos. A adoção de impostos especiais sobre bebidas açucaradas em algumas dezenas de países já seria um indicativo desse movimento.
Em uma publicação sobre esse tema, a OMS (Organização Mundial da Saúde) relata as estratégias da indústria para manter o status quo: desacreditar evidências científicas sobre os prejuízos, desviar a atenção do papel das bebidas açucaradas nas doenças crônicas colocando outros fatores nos holofotes, como o sedentarismo.
Procurados pela reportagem, Coca-Cola e o COI não se posicionaram até a publicação desta reportagem. Em junho, foi anunciada a renovação da parceria por mais 12 anos, até os Jogos Olímpicos de 2036.
GABRIEL ALVES / Folhapress