Portugal vê seus cidadãos deixarem o país enquanto bate recordes de imigração

LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Portugal vive uma dinâmica migratória de mão dupla. Ao mesmo tempo em que se tornou um popular destino de imigração, batendo recordes sucessivos e praticamente dobrando sua população de estrangeiros residentes em um período de sete anos, o país também registra cifras elevadas de emigração.

Mais de 2 milhões de pessoas nascidas em território português vivem atualmente em outros países, segundo dados da ONU. Para uma nação com 10,3 milhões de habitantes, isso significa o equivalente a mais de 20% da população.

A título de comparação, o Brasil, que tem uma população 20 vezes maior, de cerca de 210 milhões de habitantes, tem 1,9 milhão de emigrantes.

Especialistas destacam que a emigração é um fenômeno de múltiplas causas, mas reconhecem que as questões econômicas têm peso importante. Pesquisadora do Instituto Português de Relações Internacionais, Ana Paula Costa avalia que algumas condições estruturais no mercado de trabalho português são um dos principais fatores.

“Há uma grande precariedade nas relações laborais, temos baixos salários, temos um nível de segmentação muito alto. Isso faz com que a emigração seja uma característica não só em momentos de crise, mas também por razões conjunturais”, considera.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança, 56% dos trabalhadores de Portugal receberam salários inferiores a € 1.000 (R$ 5.366) em 2022. Entre os jovens até os 30 anos, esse percentual sobe para 65%.

Embora boa parte do contingente de portugueses vivendo no exterior tenha emigrado na década de 1960, quando o país experimentou grandes fluxos de saída, ainda hoje uma quantidade considerável de pessoas deixam o território.

Os números mais recentes mostram que em torno de 60 mil portugueses emigraram em 2021. Ainda que abaixo dos níveis de 2019, quando essa cifra girou em torno dos 80 mil, o contingente já mostra a retomada das saídas após uma queda brusca ocasionada pelas restrições de mobilidade ligadas à pandemia da Covid-19 em 2020, quando foram contabilizadas pouco mais de 40 mil saídas.

O recorde de emigração das últimas duas décadas aconteceu em 2013, em meio a uma crise econômica e ao resgate financeiro da chamada troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia). Então, mais de 120 mil portugueses partiram para outros destinos.

Ainda que a economia lusa venha crescendo e o país tenha hoje baixas taxas de desemprego –6,1% no último trimestre–, a emigração ainda é uma realidade que, nos últimos anos, é particularmente tentadora para os jovens profissionais qualificados insatisfeitos com os salários praticados no país.

Em julho, uma pesquisa de opinião realizada pelo instituto Aximage revelou que mais da metade dos jovens portugueses de 18 a 34 anos cogitam sair do país. As questões econômicas, como instabilidade financeira e altos preços da habitação, aparecem como as principais razões. O desejo de deixar o território é mais forte no grupo mais escolarizado.

Historicamente, a maior parte dos estrangeiros que imigravam eram pouco escolarizados. Nas últimas décadas, porém, tem havido uma tendência de saída de profissionais mais qualificados.

“A par com o predomínio de ativos com baixas e muito baixas qualificações escolares, observa-se também um crescimento significativo da proporção dos mais qualificados: a percentagem de portugueses emigrados com formação superior a residir nos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] praticamente duplicou, passando de 6% para 11%, entre 2001 e 2011, aumento que acompanhou o crescimento do número de ativos com formação superior na população portuguesa residindo no país”, diz o último relatório do Observatório da Emigração.

A enfermeira Ana Sousa faz parte do contingente de emigrados lusitanos. Insatisfeita com o salário e as condições de trabalho, trocou o emprego em um hospital público de Lisboa por uma vaga em uma clínica nos arredores de Londres há cerca de cinco anos. “Em termos profissionais, foi a melhor decisão. Trabalho muito, mas tenho um salário digno e sinto que sou respeitada no que faço”, avalia ela.

“Portugal é o meu país, a minha casa. Escolhi sair para dar uma melhor qualidade de vida à minha filha e não me arrependo dessa decisão, mas viver fora também é muito difícil”, pondera.

Apesar do Brexit, o Reino Unido ainda permanece como o principal destino dos portugueses emigrados, mas já vem perdendo força em relações a anos anteriores. No top dez de popularidade atual para emigração, apenas um país não está na Europa: Angola, antiga colônia portuguesa na África, que aparece em nono lugar no ranking.

Entre diversos fatores, a liberdade de circulação no espaço comum europeu simplifica as mudanças pela região.

Em valores totais –e ainda com muito peso da emigração em massa dos anos 1960–, a França é lar da maior comunidade portuguesa no exterior. Segundo o último relatório do Observatório da Emigração, pouco menos de 600 mil portugueses (nascidos em Portugal, isto é) viviam em território francês em 2021. Em segundo lugar aparece a Suíça, com 207 mil lusitanos, seguida pelo Reino Unido, com 162 mil.

Em meio à instabilidade econômica e política, o Brasil teve peso diminuto na emigração portuguesa recente.

Dados do Ministério da Justiça e da Segurança Pública do Brasil indicam uma ligeira alta em 2022, quando 562 portugueses emigraram para o país. Em 2020 e 2021, ainda sob efeito das restrições de mobilidade da pandemia, o contingente de entrada foi, respectivamente, de 431 e 469 portugueses —números consideravelmente inferiores àquele de 2.904 entradas registrado em 2013.

Dados mais recentes disponibilizados no Observatório da Emigração estimavam que, em 2020, havia um total de 175.251 portugueses residentes no Brasil.

O governo português vem tentando atrair a população emigrada de volta ao país. Uma das principais ferramentas para isso é o chamado programa Regressar, lançado em 2019. Além de incentivos fiscais, a iniciativa também oferece um pagamento adicional feito pelo IEFP (Instituto do Emprego e da Formação Profissional) que pode chegar a € 8 mil (R$ 42,9 mil). Em quatro anos, cerca de 18 mil pessoas se beneficiaram do projeto.

No mesmo período, o país viu a população estrangeira aumentar em mais de 200 mil pessoas. Pesquisadora do Instituto Português de Relações Internacionais, Ana Paula Costa afirma que Portugal é marcado por essa conjugação entre emigração e imigração, cujos números variam de acordo com o cenário econômico.

“Nos últimos anos, vimos várias medidas que facilitaram a regularização de estrangeiros, como a criação de um novo visto para procurar emprego e a autorização de residência para cidadãos da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]”, diz ela.

GIULIANA MIRANDA / Folhapress

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