RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Chegar à praia do Sossego, em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, é quase como ganhar um presente. A trilha curta, cercada pela vegetação nativa, esconde a visão da faixa de areia pequena até o último segundo. Quando se chega, a recompensa é clara: um mar verde-azulado, calmo e transparente, sem rastros de lixo ou esgoto. Em um estado onde a poluição ameaça boa parte do litoral, o lugar é quase um segredo bem guardado.
A classificação boa na balneabilidade tem sido mantida por quase uma década, de 2016 a 2024, e Sossego não cansa de fazer jus ao nome. Sem acesso por carro só trilha ou mar, o isolamento funciona como um filtro contra o impacto urbano .
A praia esteve própria para banho em todas as medições feitas pelo Inea (Instituto Estadual do Ambiente) durante o último ano, o que faz dela boa, de acordo com os critérios da Cetesb, adotados no levantamento da Folha de S.Paulo. É um quadro que se mantém desde 2016, quando os dados de balneabilidade começaram a ser compilados pelo jornal.
“O que mantém essa praia assim é o difícil acesso e a consciência de quem frequenta”, afirmou o biólogo Pedro Freitas, 38, que costuma levar grupos para estudar a vegetação local. “Não tem quiosque, som alto, movimento de carros. É quase um pedaço de como o litoral era antes da expansão urbana”, disse.
A preservação rendeu à praia do Sossego a indicação, pela quarta vez seguida, ao prêmio internacional Bandeira Azul, em junho. A certificação faz parte de um programa credenciado pela ONU para destacar destinos que mantêm boas práticas de gestão ambiental, cuidado com o ecossistema e qualidade da água.
“Temos desenvolvido várias ações de sustentabilidade e preservação ambiental, 56% do território de Niterói é hoje composto por áreas protegidas. Continuamos trabalhando para ampliarmos cada vez mais as nossas ações e políticas públicas de preservação”, afirmou o prefeito de Niterói, Axel Grael (PDT).
O isolamento é um mérito, mas não apenas ele. Visitantes habituados sabem que a praia não perdoa quem deixa rastro de sujeira. Ali, os banhistas recolhem o que trouxeram e respeitam as regras não escritas.
O local passou por melhorias e obras de infraestrutura recentes, como a instalação de um sistema de infraestrutura verde com jardins de chuva como forma de manejo de águas pluviais.
“As intervenções são necessárias até mesmo para mostrar aos frequentadores a importância de preservar aquele local”, disse o secretário municipal de Meio Ambiente, Rafael Robertson.
Para a professora Ana Paula Lima, 43, que frequenta o Sossego aos finais de semana com os filhos, a praia tem uma energia que vai além do visual: “A gente chega, desliga o mundo e entende o valor desse lugar. Parece que o tempo anda mais devagar”.
Apesar dos desafios ambientais, o Rio de Janeiro ainda mantém outros paraísos de águas limpas. Na zona oeste da capital fluminense, a praia de Grumari também fica em uma área de proteção ambiental e isolada. Ela teve balneabilidade boa na maior parte dos últimos anos.
A aposentada Vera Lucia Ribeiro, 71, disse que gosta de frequentar Grumari aos fins de semana, com a família. “Eu moro próximo, mesmo assim tenho que vir com tempo porque é uma área de difícil acesso. Tem que subir de carro, e tentar chegar cedo, porque quanto mais tarde, mais difícil parar por aqui. Mas isso não é um problema, acho até que é bom para manter ela preservada”, disse.
Não há transporte público na região. O acesso só pode ser feito por táxis ou veículos particulares, e só é permitida enquanto houver vagas de estacionamento disponíveis.
Para o oceanógrafo da Uerj David Zee, o isolamento é fundamental para a preservação dessas praias. “É um parâmetro muito importante pois não recebe influência das águas pluviais urbanas severamente contaminadas por esgotos não segregados pela rede pública, além de dejetos de animais domésticos e ratos, muito comum em áreas densamente povoada”, afirmou.
“Praias isoladas e com reduzido adensamento urbano a natureza ainda tem capacidade de renovar as águas e promover a desinfecção em função da insolação, salinidade e temperatura mais fria das água do mar”, completou o especialista.
A reportagem seguiu normas federais no levantamento. Um trecho é considerado próprio se não tiver registrado mais de 1.000 coliformes fecais para cada 100 ml de água na semana de análise e nas quatro anteriores.
Para a avaliação anual, foi adotado o método da Cetesb, que classifica as praias a partir dos testes semanais. Nos dois extremos estão as boas, próprias em todas as medições, e as péssimas, impróprias em mais da metade das medições.
ALÉXIA SOUSA / Folhapress