Precisamos tratar abuso contra crianças na internet como uma pandemia, diz ativista britânico

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A violência contra crianças na internet ultrapassa fronteiras, está em alta e, por isso, deve ser enfrentada como se fosse uma pandemia, diz o diretor-executivo da aliança global WeProtect, Iain Drennan. “Como podemos prevenir e impedir que isso aconteça?” é a questão essencial.

“Há chances de uma criança no Brasil se tornar alvo de um criminoso do Reino Unido”, exemplifica o ativista. Nenhum governo é capaz de enfrentar esse problema sozinho, acrescenta.

A WeProtect reúne 102 países, 67 empresas, 93 organizações da sociedade civil e dez organizações intergovernamentais para traçar estratégias contra abusos dirigidos a menores de idade. Irlandês, Drennan conversou com a Folha de S.Paulo, via videoconferência, de Londres, onde fica baseado o escritório da aliança.

O grupo detectou um aumento de 87% nos casos relatados de violência sexual e psíquica contra crianças e adolescentes nas redes entre 2019 e 2022, em revisão de dados com fontes como Unicef e a Representação Especial do Secretariado-Geral da ONU sobre Violência Contra Crianças. As ameaças incluem assédio, criação de imagens sexualizadas com uso de inteligência artificial e extorsão —apenas em 2022, foram cerca de 32 milhões de episódios.

Para Drennan, a resposta a esse “desastre global de saúde pública” deve envolver as plataformas de internet (redes sociais e jogos), os governos locais (com regulação e fiscalização), os pais e as próprias crianças, que devem ter as ferramentas necessárias para navegar com liberdade e segurança nas redes.

“Precisa haver uma cultura de conformidade para que as empresas, se estiverem operando e ganhando dinheiro no Brasil, precisem cumprir a legislação local, caso queiram continuar em funcionamento”, diz o diretor-executivo da WeProtect.

Entre os riscos para crianças e adolescentes no horizonte da internet, a entidade destaca as plataformas de inteligência artificial geradoras de imagem, uma vez que elas permitem que criminosos criem cenas erotizadas de menores de idades.

As imagens sintéticas complicam uma resposta aos abusos, por imporem uma etapa a mais às investigações: identificar se a foto é real ou não. “Os agressores estão usando IA para contornar as medidas de proteção e facilitar o abuso”, afirma Drennan.

Além disso, podem usar essa tecnologia para extorquir jovens, sem precisar convencê-los a enviar imagens constrangedoras. Segundo o relatório da WeProtect, muitos cibercriminosos se passam por meninas no mundo online e abordam predominantemente meninos com idades entre 15 e 17 anos, por meio das redes sociais.

A pesquisa indica que os criminosos levam, em média, 45 minutos para aliciar menores de idade.

A Câmara dos Deputados aprovou na última quinta-feira (7) um projeto de lei que criminaliza gerar imagens íntimas de mulheres com inteligência artificial e, quando a prática visasse menores de idade, a pena seria agravada. O texto, entretanto, não trata homens vitimados por esse abuso. O projeto agora está sob apreciação do Senado.

O relatório da WeProtect mostra que crianças e jovem LGBTQIA+, de minorias étnicas ou com deficiência estão em maior risco. “Esses grupos acabam especialmente expostos ao abuso sexual infantil, uma vez que a desigualdade também chega ao cuidado e ao acesso à informação.”

Existe uma lacuna entre como as crianças vivem a internet e como os pais ou educadores avaliam essa experiência que precisa ser superada com educação nos dois lados desse elo, de acordo com o ativista.

Como bom exemplo de medida protetiva a abusos cometidos com inteligência artificial contra crianças, Drennan cita uma legislação australiana, implementada em setembro. A lei exige que as grandes empresas tecnológicas tomem medidas para garantir que os produtos de IA não possam ser utilizados para gerar imagens e vídeos falsos sobre abuso sexual infantil.

“Esses riscos reforçam a urgência de que os desenvolvedores de plataformas pensem em segurança desde o princípio do projeto”, afirma a WeProtect, em seu relatório.

A proposta que tramita no Congresso não responsabiliza os desenvolvedores da tecnologia.

Por outro lado, Drennan afirma que os riscos não devem inibir a liberdade das crianças na internet e os benefícios da tecnologia. “Vimos durante a pandemia de Covid o quanto isso foi importante. Sabemos que, nas redes, os jovens estão socializando, explorando a sexualidade, mas precisamos minimizar os riscos. Isso requer a união de governos, empresas e comunidades para desenvolver soluções.”

Numa boa prática, as próprias crianças devem ter escolha sobre as opções de privacidade disponíveis em um jogo ou rede social, conforme o especialista. Esse grau de ingerência pode evoluir junto com o avanço da idade do jovem.

Para a WeProtect, a política de proteção a crianças do TikTok criou um bom precedente. Usuários de 13 a 17 anos têm acessos e configuração padrão diferentes.

Os jovens de 13 a 15 anos têm contas com diretrizes de privacidade mais restritas, já a partir do cadastro. Certas funcionalidades só podem ser acessadas a partir dos 16 anos, como o chat privado. A medida diminui o risco dos encontros aleatórios com estranhos na internet.

PEDRO S. TEIXEIRA / Folhapress

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