SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A construção de um prédio de 1.000 metros de altura na zona sul da cidade de São Paulo produziria uma sombra de até 1,6 km de extensão sobre o entorno, mostra estudo realizado pelo arquiteto Pedro Oscar a pedido da reportagem.
A simulação considera a localização e a topografia da região próxima à estação de metrô Campo Limpo, um dos bairros mencionados pelo candidato à prefeitura Pablo Marçal (PRTB) como pretendido para o empreendimento que daria à capital paulista o maior arranha-céu do mundo.
A sombra mais pronunciada seria produzida às 9h, afetando a insolação matinal de uma área residencial a oeste da estação. O local possui diferentes condomínios, alguns formados por prédios e outros por casas amplas, algumas com piscinas, em terrenos arborizados.
Parte de uma área densamente ocupada no bairro Capão Redondo também ficaria na penumbra no período do ano de vulto mais espichado.
Tais efeitos em pontos específicos da cidade são hipotéticos, já que Marçal não respondeu ao pedido da Folha para que detalhasse sua proposta.
A simulação no entorno da estação Campo Limpo concilia a menção do candidato ao bairro com terrenos em que prédios sem limite de altura são permitidos. Edifícios sem gabarito máximo só podem existir nas ZEUs (Zonas Eixo de Estruturação da Transformação Urbana), zoneamento vigente nos arredores de corredores de ônibus e estações de trem e metrô.
Obscuridade é só um dos impactos da torre de 1 km. Concentração de trânsito, produção de grandes quantidades de lixo e sobrecarga da infraestrutura de energia, água e esgoto também seriam efeitos colaterais do espigão.
“Os impactos urbanos e de outros fenômenos físicos podem ser tão marcantes quanto os da luz, como o redirecionamento dos ventos, mudanças no transporte urbano, tratamento de resíduos e especulação imobiliária”, elenca Oscar.
Atração de postos de trabalho para a periferia e fomento ao turismo são os principais argumentos do candidato para validar sua proposta. Ele mira o exemplo de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, que tem os maiores espigões do país. Os mais altos são as torres do condomínio de luxo Yachthouse Residence Club, com 294 metros cada. Nesta segunda (16), a construtora FG anunciou projeto para construir na cidade praiana o maior residencial do planeta, com mais de 500 metros de altura.
Em São Paulo, impactos positivos e negativos de uma torre quilométrica estão longe de se tornarem reais. Embora a legislação destine porções da cidade a edificações sem limite de altura, outras restrições tornam a ideia impraticável.
Entre as principais barreiras está o Código de Obras, vinculado ao Plano Diretor e à Lei de Zoneamento. A regra exige recuos nas laterais e na parte posterior da edificação que aumenta proporcionalmente à altura do prédio. Uma construção de 1.000 metros de altura requer afastamento de 99,4 metros de cada lado, exceto na parte frontal, calcula Fernando Martines, arquiteto e consultor em legislação urbana.
Considerando só os recuos, mesmo que o prédio tivesse a espessura de um fio de cabelo, o terreno necessário seria de 19 mil m². Se o edifício tivesse piso térreo de 900 m², algo parecido com grandes prédios paulistanos, ele precisaria estar no centro de um terreno de 29 mil m². É uma área muito superior ao tamanho máximo de lote permitido na cidade, de 20 mil m². “É impossível, considerando a legislação atual”, diz Martines.
Isso significa que, mantidos os recuos exigidos, o prédio tomaria uma área equivalente à de três quarteirões, compara Silvio Oksman, coordenador do curso de arquitetura e urbanismo do Ibmec. “É uma enormidade”, afirma.
Achar terreno nessa proporção dentro de uma ZEU não simples. Esse zoneamento representa cerca de 4% da cidade. A escassez encarece tais lotes.
Marçal diz que irá propor à Câmara a modificação das leis urbanísticas. Não seria fácil. O Legislativo paulistano revisou o Plano Diretor em 2023. Só existe uma revisão prevista na lei. Um novo regramento urbanístico só será obrigatoriamente votado após 2029, quando acaba a vigência do atual.
Esta não é a primeira vez em que se aspira dar a São Paulo o maior prédio do globo. Em 1999, o grupo Brasilinvest, em parceria com o grupo MGDF (Maharishi Global Development Fund), dos EUA, anunciou um arranha-céu 494 metros. O grupo desistiu do projeto em 2002, acusando vereadores e a gestão do ex-prefeito Celso Pitta de cobrar propinas para a aprovação da empreitada.
Na época, o Maharishi São Paulo Tower superaria o Petronas Tower, em Kuala Lumpur, capital da Malásia, que tem 452 metros. Hoje o maior espigão global é o Burj Khalifa, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, com 828 metros.
“Essas propostas são absurdas, sem nenhuma racionalidade, apenas uma corrida para ser o mais alto e, fatalmente, alguma outra cidade vai superar”, comenta Denise Duarte, professora de arquitetura da USP.
Em São Paulo, o maior edifício é o Platina, no Tatuapé (zona leste), com 220 metros.
CLAYTON CASTELANI / Folhapress