SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após críticas nas redes sociais, a Prefeitura de São Paulo recuou de um acordo com a Pepsico que criaria a campanha publicitária “Largo da Batata Ruffles” no espaço público na região da avenida Brigadeiro Faria Lima, zona oeste. O nome oficial do largo não seria mudado, diferentemente do caso das estações de metrô em que houve concessão dos chamados naming rights.
No Diário Oficial do Município desta sexta-feira (13) foi publicada manifestação tornando sem efeito o termo de doação nº 06/SUB-PI/2024, que será agora analisada por órgão da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU).
“A decisão de tornar o termo assinado sem efeito nesta quinta-feira foi necessária para que a Comissão de Proteção à Paisagem Urbana se manifeste a respeito da proposta de comunicação visual do parceiro para o espaço”, afirma a gestão Ricardo Nunes (MDB) em nota.
O acordo havia sido assinado em 28 de novembro e se tratava de um contrato de comodato (espécie de aluguel sem custo) de bens e serviços e doação, celebrado entre a Prefeitura de São Paulo, a Social Service Comunicação Mkt de Responsabilidade e a Pepsico do Brasil.
A doação estava estimada em pouco mais de R$ 1,1 milhão e incluía a responsabilidade de a prefeitura fiscalizar as atividades envolvidas. Os serviços se estenderiam pelo prazo de 24 meses, podendo ser prorrogados.
Em um documento anexado ao processo estão descritos os equipamentos que seriam instalados no largo, como um letreiro instagramável, bancos ondulados, bicicletário, horta e uma estação de academia, além de brinquedos em uma “estação infantil”.
Nas redes sociais, muitos se manifestaram contra a iniciativa, argumentando que o largo da Batata é espaço de memória da cidade, além de apontar a falta de consulta da população, a “breguice” do trocadilho e o baixo valor da proposta.
Alguns usaram a ironia para levar o trocadilho além: “Avenida Leite Paulista, Viaduto do Chá Mate Leão, Ladeira Porto Seguro […] continuem a cafonice”, disse um internauta. “Avenida Brigadeiro de Leite Moça”, “Travessa Vidros Marinex”, “Vila Carrão Chevrolet”, “Lá No Posto Ipiranga” e “Casa de Apostas Betano Verde” foram outras sugestões feitas.
O professor Silvio Oksman, coordenador do curso de arquitetura e urbanismo do Ibmec-SP, também é crítico da iniciativa. “Sempre se usou a cidade para fazer campanhas publicitárias de várias formas, mas isso é uma coisa simplória. ‘O largo da Batata Ruffles’ é o óbvio ululante, é um trocadilho de quinta série. É o fim da subjetividade, é jogar na cara da população que a cidade está à venda”, diz o professor, que vê na campanha uma forma de “ridicularizar o largo da Batata”.
Para ele, a iniciativa mostra falta de bom senso da prefeitura e também do mercado. “O governo parece ter se tornado só um articulador dos interesses do mercado, que pode chegar e fazer o que quiser, terá todas as vantagens. Acontecendo ou não, essa campanha já mostrou o nível da discussão, e essa ideia [ainda] não saiu da mesa”, afirma.
Segundo a prefeitura, a “adoção” do largo da Batata pela PepsiCo “respeitou a legislação em vigor, que não exige licitação”.
Em nota, a PepsiCo afirma que seguiu todas as diretrizes de processos administrativos da Subprefeitura de Pinheiros e que o acordo foi celebrado dentro dos parâmetros legais, pois consistiria em um termo de cooperação e doação, que dispensa a realização de licitação ou consulta pública.
A empresa diz também que “a revitalização do largo da Batata prevê melhorias e benfeitorias para o espaço, como revitalização dos canteiros, mobiliário e jardins”, e que “a iniciativa não contempla a mudança do nome do largo da Batata (naming rights)”.
Oksman ressalta a importância dos nomes para a preservação da cultura e da história da cidade e de sua população.
“Ao trocar os nomes da cidade, perde-se a memória da cidade. O largo da Batata, o largo dos Aflitos, têm esses nomes por um motivo. Quando se altera o nome da [estação] Liberdade para Japão-Liberdade, apaga-se a história negra do local. O Doria [João Dória, ex-prefeito da capital e ex-governador] queria mudar o nome do Bom Retiro para Little Seul pela população coreana na região. Eu sou judeu, a história judaica na região não pode ser apagada. Os nomes vão referenciando territórios e são parte da cidade e da sua história da cidade”, afirma.
A denominação largo da Batata surgiu na década de 1920 porque ali se concentrava a venda do produto por agricultores. Anos antes, em 1910, foi inaugurado o Mercado dos Caipiras, antecessor do atual Mercado Municipal de Pinheiros, local que iria consolidar a transformação de Pinheiros de vila indígena em núcleo urbano.
ANA BEATRIZ GARCIA / Folhapress