SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos chefes de governo mais longevos do mundo, o premiê do Camboja, Hun Sen, 70, disse nesta quarta-feira (26) que vai renunciar e transferir o cargo para um de seus filhos no mês que vem. Se confirmada, a mudança encerrará um reinado de 38 anos durante o qual o líder sufocou a democracia.
O anúncio ocorreu dias após o Partido Popular do Camboja (CPP, na sigla em inglês), do premiê, vencer as eleições no último domingo (23), em pleito sem oposição real. O resultado fortaleceu o plano do líder de entregar o cargo para o general Hun Manet, 45, seu filho mais velho, sob a justificativa de que o país precisa de governantes mais jovens.
“Devo me sacrificar e renunciar ao poder”, disse o premiê em discurso transmitido na televisão. “É necessário ter um novo gabinete que inclua principalmente jovens. Eles são responsáveis pelo futuro. A paz e o desenvolvimento continuarão sob [o governo de] meu filho”, acrescentou.
Hun Sen foi guerrilheiro do Khmer Vermelho, grupo armado do extinto Partido Comunista de Kampuchea (como os comunistas chamavam o Camboja). Mas ele rompeu com antigos aliados e se exilou no Vietnã após a ascensão da organização ao poder -de 1975 a 1979, a ditadura instituída pelo grupo comunista promoveu um genocídio que deixou mais de 1,5 milhão de mortos.
Após retornar ao Camboja, Hun Sen ocupou posições de destaque no governo e se tornou primeiro-ministro em 1985. Desde então, ele vem governando o país com mão de ferro, e sua repressão política forçou centenas de opositores a fugirem do país.
Líder mais longevo da Ásia, o premiê não pretende desaparecer da política de Camboja após deixar o cargo. Ele disse que permaneceria como chefe de seu partido e passará a presidir o Senado. Também assumirá a liderança do Estado quando o rei do país, Norodom Sihamoni, viajar ao exterior. Hun Sen ainda prometeu voltar ao cargo de primeiro-ministro se o filho não apresentar um bom desempenho.
Hun Manet, filho do premiê, é general e obteve formação acadêmica nos Estados Unidos e no Reino Unido. Ele mantém perfil discreto e dá poucas pistas sobre os planos para o futuro do Camboja e seus 16 milhões de habitantes. Também no domingo, o general conquistou um assento na Assembleia Nacional e poderá se tornar o próximo governante caso tenha respaldo da Casa.
O novo Parlamento se reunirá em 21 de agosto, e o novo premiê será empossado no dia seguinte, segundo autoridades. A ascensão ao poder de Hun Manet faz parte de uma mudança geracional mais ampla no Camboja: espera-se que muitos legisladores mais jovens tomem cargos ministeriais, incluindo o filho mais novo de Hun Sen e outros relacionados a outros membros mais velhos do partido.
O CPP reivindicou a vitória no domingo com 82% dos votos em eleição na qual nenhum partido relevante da oposição pôde participar. O único partido de oposição relevante, o Candlelight Party, foi desqualificado.
Os resultados oficiais ainda não são conhecidos, mas projeções apontam que o CPP conquiste 120 das 125 cadeiras na Câmara Baixa (uma das casas do Parlamento). As eleições foram criticadas por líderes da União Europeia e Estados Unidos, que afirmaram que a votação “não foi livre nem justa”.
Nesta quarta, as Nações Unidas denunciaram que as eleições ocorreram em um ambiente marcado por ameaças e intimidação. “Os partidos políticos da oposição, ativistas, membros da imprensa e outras pessoas enfrentam muitas restrições e retaliações que parecem ter como objetivo minimizar a campanha política e obstruir o exercício das liberdades essenciais para a celebração de eleições livres”, disse o alto comissário para os Direitos Humanos das Nações Unidas, Volker Türk, em nota.
O relatório mais recente do instituto sueco V-Dem, uma referência na análise de regimes políticos, descreve o Camboja como uma autocracia eleitoral -em que há eleições multipartidárias, mas outros pilares democráticos estão ausentes. Além de corroer a democracia, críticos do premiê também denunciam que seu governo foi marcado pela destruição do meio ambiente e pela corrupção.
Por outro lado, Hun Sen é creditado por estabelecer a paz após anos de guerra e aumentar a renda média da população, além de melhorar a saúde, a educação e a infraestrutura durante seus 38 anos no poder.
Camboja ocupa o 150º lugar entre 180 países no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional. Na Ásia, apenas Mianmar e Coreia do Norte ocupam posições piores.
Redação / Folhapress