SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O prêmio Nobel Muhammad Yunus prometeu restaurar “a lei e a ordem” em Bangladesh ao retornar ao país nesta quinta-feira (8) para liderar um governo interino que encaminhe o processo democrático até as novas eleições, após uma onda de protestos derrubar o governo da primeira-ministra Sheikh Hasina, 76.
“A lei e a ordem são nossa primeira tarefa”, afirmou o economista de 84 anos à imprensa ao chegar ao aeroporto da capital, Daca. Yunus ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2006 por fundar um sistema de microcrédito para mulheres em áreas rurais. “Bangladesh celebra uma segunda independência”, disse Yunus, crítico ferrenho de Hasina, aos jornalistas.
Ele retorna para seu país após tratamento médico em Paris, depois que os manifestantes o apoiaram para o cargo em um governo encarregado de realizar eleições para um novo líder.
Yunus teve sua entrada no país facilitada depois que um tribunal o absolveu, na quarta-feira (7), de uma condenação a seis meses de prisão proferida em janeiro por violar a legislação trabalhista. Na época, o Nobel negou as acusações, foi libertado sob fiança e saiu do país.
Os protestos em Bangladesh já deixaram mais de 455 mortos desde o início de julho, segundo um levantamento da AFP com base em números da polícia, autoridades do governo e fontes médicas.
O chefe do Exército, Waker-Uz-Zaman, indicou esperar que Yunus preste juramento como chefe do executivo interino nesta quinta-feira por volta das 20h locais (11h em Brasília) para encaminhar um “belo processo democrático”.
“Meu apelo ao povo é que, se confiarem em mim, garantam que não haja ataques contra ninguém, em nenhum lugar do país”, disse Yunus. “O país tem a possibilidade de se tornar uma nação muito bonita”, afirmou o economista no aeroporto, onde foi recebido por militares de alto escalão e líderes estudantis.
Para Yunus, os manifestantes salvaram o país. “Qualquer caminho que nossos estudantes nos mostrem seguiremos adiante.” Ele afirmou que espera realizar “eleições livres e justas” nos próximos meses.
A perspectiva de ver Yunus ao lado de comandantes militares era inimaginável havia uma semana, quando as forças de segurança disparavam contra os manifestantes que tomaram as ruas para exigir a renúncia de Hasina a governante estava no poder havia 15 anos, e seu último mandato foi marcado pelo boicote da oposição às eleições.
A primeira-ministra deixou o cargo diante de uma onda de protestos que começou com um movimento contra um sistema de cotas no funcionalismo.
Um terço das vagas era reservado para parentes de veteranos da guerra de independência contra o Paquistão, em 1971. O sistema de cotas, abolido em 2018 pelo governo de Hasina, foi restabelecido por um tribunal em junho, o que deflagrou as manifestações. Mas, de acordo com seus críticos, o dispositivo beneficiaria grupos leais à Liga Awami, partido da agora ex-primeira-ministra.
Os protestos fizeram o governo mudar a lei, reduzindo de 30% para 5% a quantidade reservada aos veteranos. Mesmo assim, os atos prosseguiram e ganharam cada vez mais adesão, culminando com a renúncia de Hasina.
Enquanto isso, a tensão no país persiste. Centenas de hindus de Bangladesh se reuniram na fronteira na esperança de cruzar para a Índia, informaram autoridades de segurança na quinta-feira.
As autoridades dispararam tiros ao ar para dispersar a multidão. Após a queda de Hasina, que os manifestantes consideram próxima aos hindus, alguns estabelecimentos ligados a esse grupo foram depredados no país, majoritariamente muçulmano.
O Conselho de Unidade Hindu, Budista e Cristão de Bangladesh disse nesta semana que pelo menos dez templos hindus foram alvo de ataques. Um funcionário de um hospital local declarou à AFP que um hindu foi espancado até a morte no distrito sul de Bagerhat.
Os protestos foram alimentados também pela crise econômica e pela repressão política. A principal sigla de oposição, o Partido Nacionalista de Bangladesh (BNP), boicotou duas eleições nacionais após a prisão de seus líderes, e a pandemia de Covid-19 prejudicou a economia de US$ 450 bilhões (cerca de R$ 2,5 trilhões) após anos de forte crescimento, levando a uma alta inflação, desemprego e reservas em queda.
Com isso, o governo de Hasina buscou empréstimo de US$ 4,7 bilhões (R$ 26 bilhões) do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Redação / Folhapress