Presença de ‘soldados’ do PCC nos EUA acende alerta de governos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A unidade de Operação de Fiscalização e Remoção (ERO, em inglês) de Boston, no estado de Massachusetts, anunciou em maio do ano passado a prisão de um homem de 50 anos procurado pela Justiça brasileira. A ação mereceu atenção de Brasília em razão da sigla cravada na extensa ficha criminal do fugitivo: PCC (Primeiro Comando da Capital).

Os órgãos de inteligência do governo brasileiro vêm detectando desde 2022 uma série de membros do baixo clero da facção criminosa, os chamados “soldados”, cruzando ilegalmente as fronteiras dos Estados Unidos para tentar fixar residência por lá.

Segundo as autoridades, são dezenas de pessoas ligadas direta e indiretamente à facção liderada por Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, flagradas pela polícia, caso do fugitivo preso em Boston, que tinha entrado ilegalmente nos EUA dois meses antes da prisão.

Até então, conforme agentes ouvidos pela reportagem, a presença de integrantes da base hierárquica do PCC ocorria de forma pontual, a maioria fugindo da Justiça ou realizando operações de contrabando de armas. Os EUA são um dos 26 países em que a Polícia Federal do Brasil identificou a presença de membros da facção. As autoridades estimam que o PCC tenha cerca de 40 mil integrantes.

A polícia brasileira tem dados de familiares de grandes traficantes ligados à facção morando e fazendo investimentos na compra de bens e propriedades de luxo, especialmente em Miami. Não há indicativo da atividade de venda de drogas, monopólio consolidado dos cartéis mexicanos.

Nos trabalhos de cooperações entre os dois países, conforme a Folha de S.Paulo apurou, policiais americanos que atuam na fronteira com o México, a Border Patrol, receberam informações detalhadas da origem do PCC e de como tentar identificar seus membros –por exemplo, por meio de tatuagens.

O destino mais comum são as regiões de Massachusetts e Pensilvânia, onde há grande comunidade brasileira, o que torna mais fácil uma eventual infiltração.

Conforme divulgações da ERO, uma série de brasileiros com antecedentes criminais foi presa em Boston e deportada para o Brasil. O caso mais recente ocorreu no último dia 8 de agosto, com Adinan de Souza Fontoura, 42, também procurado no Brasil por roubo.

“Ele demonstrou propensão a cometer ações violentas e representou uma ameaça aos moradores de Massachusetts. Agora, ele retornará ao seu país de origem para enfrentar a justiça lá”, disse o diretor do escritório de campo do ERO em Boston, Todd M. Lyons, em um comunicado oficial.

Conforme dados divulgados pelo governo americano, em 2022, o ERO prendeu 46.396 não cidadãos com antecedentes criminais. Já em 2023, esse número pulou para 73.822. Entre os crimes praticados por essas pessoas estão homicídio, sequestro e violência sexual.

A presença um grupo criminoso liderado por brasileiros de Massachusetts se tornou pública em 2019 quando 14 suspeitos foram presos pelo Departamento de Justiça. Conforme a Promotoria local, o grupo foi batizado de PCM (Primeiro Comando de Massachusetts), inspirada na facção.

“Gangues violentas que proliferam a violência são um flagelo em nossas comunidades”, disse, em comunicado à época, o procurador Andrew E. Lelling.

“Nos últimos meses, membros e associados do Primeiro Comando de Massachusetts têm cometido crimes graves e violentos: roubando descaradamente empresas da comunidade, traficando drogas, traficando armas de fogo ilegais e até sequestrando uma jovem. Não ficaremos parados e permitiremos que esses criminosos perturbem a segurança e a paz de nossas comunidades.”

Em 2021, o presidente democrata Joe Biden assinou uma ordem executiva para modernizar as sanções do Departamento do Tesouro dos EUA usadas para combater o comércio ilícito de drogas.

O órgão designou 25 atores, incluindo o PCC, como um dos alvos da medida que permite que o Tesouro sancione “pessoas estrangeiras que conscientemente recebam propriedade que constitua ou seja derivada de receitas de atividades ilícitas de tráfico de drogas”.

“O PCC opera em toda a América do Sul, e suas operações alcançam os Estados Unidos, Europa, África e Ásia”, diz nota do governo americano à época.

Em março deste ano, por exemplo, o governo Biden bloqueou bens do brasileiro Diego Macedo Gonçalves do Carmo, Bhrama, suspeito de ser “um agente-chave responsável pela lavagem de centenas de milhões de dólares da organização”.

Carmo é suspeito de lavar cerca de R$ 1,2 bilhão e, conforme o governo americano, “continua ativo nos assuntos do PCC, enviando instruções mesmo de dentro da prisão”.

“Com uma extensa rede em toda a América Latina e uma presença global em expansão, o PCC representa uma das organizações de tráfico de drogas mais importantes e preocupantes da região”, disse o subsecretário do Tesouro para o Terrorismo e a Inteligência Financeira dos EUA, Brian E. Nelson.

O procurador de Justiça Marcio Sergio Christino, especialista em crime organizado, afirma que nos Estados Unidos já existem grupos criminosos estruturados há décadas, o que torna difícil que o PCC consiga se fortalecer por lá como fez na América Latina.

“Quem chega de fora, não chega pisando firme. O que os caras vão fazer lá? Eles fogem pra lá com o dinheiro. Lavam o dinheiro lá, porque é negócio até para as máfias americanas lavarem o dinheiro, porque cobram. Se eles chegarem lá e forem, por exemplo, traficar, vão encontrar uma oposição de todos aqueles que já estão ali”, afirmou ele.

O secretário Nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, disse não ter detalhes da suposta presença de soldados do PCC nos EUA, mas sabe que o crime brasileiro ultrapassou várias fronteiras.

“Os europeus estão preocupados conosco, os Estados Unidos, a América do Norte, o mundo todo está preocupado com a América Latina, porque todos sabemos que a criminalidade organizada aqui é hoje uma realidade”, declarou em evento em São Paulo.

A Folha de S.Paulo procurou órgãos americanos, como o Serviço de Controle de Fronteira e o Serviço de Imigração e Controle de Alfândega dos Estados Unidos, para entender como estão as investigações, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

ROGÉRIO PAGNAN E ISABELLA MENON / Folhapress

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