BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Relator da discussão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sobre cigarro eletrônico, Antonio Barra Torres sugere manter a proibição da venda destes dispositivos no Brasil.
A diretoria colegiada da agência ainda avalia, na tarde desta sexta-feira (1º), se coloca esta proposta em consulta pública de 60 dias.
“Não podemos ignorar que as evidências científicas disponíveis ainda não demonstram que estes dispositivos podem substituir cigarros tradicionais por ser menos danoso”, disse Barra Torres, que também preside a agência.
Durante a consulta pública, a Anvisa disponibiliza um formulário online para receber manifestações sobre o texto. Depois desta etapa, em reunião que ainda não foi marcada, os diretores vão aprovar ou não a versão consolidada do texto.
A agência proíbe desde 2019 a importação, publicidade e comercialização dos produtos oficialmente chamados de DEF (Dispositivos Eletrônicos para Fumar), categoria que também inclui e-cigarettes, tabaco não aquecido, pods e vapers.
Mesmo vetados, esses dispositivos são facilmente comprados em lojas e pela internet. Segundo uma pesquisa de 2022 da Ipec (Inteligência de Pesquisa e Consultoria), o país tinha cerca de dois milhões de usuários deste tipo de cigarro em 2022, contra 500 mil em 2018.
A Anvisa reabriu em 2019 a discussão sobre os cigarros eletrônicos. A agência recebeu manifestações da indústria, entidades médicas e de diversos países sobre o tema.
A área técnica do órgão regulador recomendou manter a proibição do cigarro eletrônico e adotar medidas de fiscalização, além de campanhas educativas.
Gerente da área de registro e fiscalização de produtos fumígenos da Anvisa, Stefania Schimaneski Piras disse que a agência não encontrou evidências científicas de que esses dispositivos são úteis para o tratamento do tabagismo. A análise da Anvisa ainda indicou que o cigarro eletrônico causa dependência e diversos riscos à saúde, além de incentivar que jovens passem a fumar.
Segundo a gerente, os dados analisados pela agência mostram que países que liberaram a comercialização destes produtos têm aumento da prevalência do uso dos dispositivos.
Stefania Piras afirmou ainda que há “grande diversidade de produto, o que torna impossível prever riscos”. “Muitas vezes se confundem com material escolar, produtos de uso corrente.”
Em consulta feita pela Anvisa, o Ministério da Saúde defendeu manter o veto aos dispositivos eletrônicos.
Já o Ministério da Justiça afirmou à agência que “não há razão parar crer que, uma vez regulamentado o produto no Brasil, haverá diminuição do contrabando”.
“Este documento se alinha com cenário de outros países, que tem estrutura de fiscalização sólida, e mesmo com o produto regulamentado, não significou redução do contrabando”, disse Barra Torres.
Antes de aprovar a consulta pública, a Anvisa reproduziu mais de 60 vídeos que haviam sido enviados à agência com manifestações sobre o cigarro eletrônico.
Representante da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia), a médica Jaqueline Scholz disse que há “epidemia de consumo” em países que liberaram a venda destes dispositivos.
“A quantidade de nicotina que esse produto oferece é muito grande. A regulamentação só aumenta a base de usuários e provavelmente vai colocar em risco uma política pública [de controle do tabagismo] que nosso país é avançada”, disse Scholz, que defendeu manter o veto aos dispositivos.
Diretora no Brasil da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), Socorro Gross pontuou que o país é referência no controle do tabaco e deve manter o veto ao produto eletrônico. “Conseguiu redução significativa de fumantes, de 35% em 1989 para 12,6% em 2019, é um resultado impressionante”, disse.
Ex-diretora da Anvisa e consultora da BAT Brasil (British American Tobacco, antiga Souza Cruz), Alessandra Bastos afirmou que a regulamentação é mais efetiva do que proibir o comércio. “Se a proibição fosse efetiva, teríamos jovens, adolescentes e crianças acessando em sites e aplicativos cigarros eletrônicos de origem ilegal?”, afirmou ela.
O médico Drauzio Varella disse que a indústria quer “continuar fazendo o que sempre fez, viciar nossas crianças e adolescentes na dependência mais feroz que existe”.
Diretor-geral do Inca (Instituto Nacional de Câncer), Roberto de Almeida Gil, afirmou que são falsas as “narrativas” de que há explosão de consumo entre jovens e de que são menos agressivas as versões alternativas do cigarro, como o produto eletrônico ou com filtro. “A regulamentação atual consegue manter o nível de controle melhor que de outros países”, disse.
MATEUS VARGAS / Folhapress