Presidente de empresa de potássio oferece compra de terra a indígenas por posição favorável

MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – O presidente da empresa Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, prometeu a indígenas muras a compra e entrega de 5.000 hectares de terras em caso de posição favorável em assembleia ao empreendimento de exploração de potássio na região de Autazes (AM), entre os rios Madeira e Amazonas.

A oferta foi seguida de falas de Espeschit contrárias à demarcação do território, apesar do início de procedimentos formais para a delimitação por parte da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que constituiu um grupo técnico em agosto.

O presidente da Potássio do Brasil, subsidiária do banco canadense Forbes & Manhattan, disse ainda aos muras que o território só poderia virar terra indígena ao fim da retirada do minério, num prazo de 23 a 34 anos. Em nota, a empresa afirma que os benefícios aos muras são públicos.

O potássio é base para fertilizantes utilizados na agricultura em larga escala. O empreendimento em uma região preservada da Amazônia tem apoio no governo Lula (PT). O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), já deu declarações favoráveis ao projeto.

A participação de Espeschit numa assembleia de uma pequena parte dos muras, em 22 de setembro, foi gravada, como consta em manifestação do MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas. O áudio de mais de uma hora foi enviado à Procuradoria. O presidente da Potássio do Brasil indicou em sua fala não saber que estava sendo gravado.

No último dia 15, o MPF apontou diversos indícios de cooptação de indígenas e de atropelo a processos internos de consulta, principalmente da aldeia Soares, a mais impactada pelo projeto, com sobreposição de áreas.

Em atendimento a pedido da Procuradoria, a Justiça Federal no Amazonas determinou no dia seguinte a suspensão de “qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação” contra muras por parte da Potássio do Brasil.

“Vocês aprovando esse projeto, não pode haver criação de terra indígena”, disse o presidente da empresa na reunião gravada. “Porque aprovar e criar uma terra indígena vai inviabilizar do mesmo jeito.”

Em seguida, Espeschit fez a promessa da compra de terras. “A gente assumiu o compromisso de comprar uma área dez vezes maior do que a gente vai ocupar em superfície. Estamos assumindo o compromisso de comprar 5.000 hectares, e esses 5.000 hectares estariam disponíveis para programas a partir de hoje, se vocês votarem favorável, do plano Bem Viver Mura.”

Ele prometeu ainda empregos, possibilidades de empreender -com prioridade na contratação de empresas de indígenas- e royalties. “Não é terra indígena, é região do povo mura. E o povo mura pode se sentir orgulhoso de estar participando disso.”

Segundo o presidente da Potássio do Brasil, o território poderia ser indígena “a partir do momento que acabar a retirada do minério”. “O direito de vocês é adquirido. É só uma postergação de tempo. Vai continuar sendo possível, depois que a empresa terminar os 23 anos, ou os 34 anos.”

Espeschit disse ainda que a aprovação do empreendimento de exploração de potássio e a demarcação de terra indígena são inconciliáveis. “Se você fizer a aprovação do projeto e solicitar uma terra indígena em cima, você está desaprovando o projeto.”

Ele afirmou que “a propriedade de uma terra indígena continua sendo do governo”. “A hora que eu colocar a terra dentro do plano Bem Viver Mura, se ela for transferida ao CNPJ de alguma entidade indígena, aí sim é vida, aí sim é propriedade.”

O representante da Potássio do Brasil reforçou aos indígenas presentes, que iriam votar em seguida sobre o empreendimento, dois pontos compreendidos como “cruciais”: “a não demarcação de terra indígena em cima da área do Soares” e “logicamente a aprovação do projeto”.

A Potássio do Brasil, em nota, afirmou que todos os “benefícios sociais e econômicos” previstos para os muras são públicos.

“Transformar mecanismos de proteção social do projeto, amplamente conhecidos, em lances secretos de uma conspiração econômica contra indígenas é uma ação que vai contra a proteção do meio ambiente, a independência e o desenvolvimento econômico e social dos indígenas e o desenvolvimento e independência do Brasil”, cita a nota.

As “alegações” são “mera fabricação de fake news midiático para instigar a opinião pública contra um empreendimento da mais alta relevância para o país”, afirmou a empresa.

“As decisões da Justiça Federal no Amazonas já foram suspensas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região e a empresa confia que a próxima decisão terá o mesmo destino”, disse. “Esperamos o reconhecimento pela Justiça da legalidade das ações adotadas de forma a permitir a implementação de um projeto tão fundamental para a segurança alimentar e o crescimento do Brasil.”

Estavam na reunião em uma aldeia do território menos de 200 indígenas, segundo participantes do encontro. Na região, são mais de 12 mil indígenas.

Três dias após a reunião feita, representantes da Potássio do Brasil -o presidente incluído- e lideranças muras foram até o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), para dizer que os muras apoiavam o empreendimento. Lima atua a favor do projeto.

O MPF apontou “manipulações, assédios, cooptações e ameaças” na petição enviada à Justiça Federal, com pedido de suspensão do andamento do licenciamento ambiental.

Em atendimento ao pedido dos procuradores da República, a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe determinou a suspensão das ações por parte da empresa e aplicou uma multa de R$ 1 milhão à Potássio do Brasil, em razão da “pressão indevida” sobre o povo mura e do comparecimento do presidente da empresa a reuniões internas dos indígenas, o que havia sido vedado pela Justiça.

A juíza também determinou a suspensão do processo de licenciamento conduzido pelo Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), órgão do governo do estado.

Antes, em setembro, ela já havia determinado a anulação da licença prévia emitida pelo Ipaam para a exploração de potássio e estabelecido que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) deveria conduzir o licenciamento. Esta decisão foi revertida pelo TRF da 1ª Região, e o MPF recorre.

No governo Jair Bolsonaro (PL), o Ibama refutou por pelo menos três vezes conduzir o processo de licenciamento da exploração de potássio na Amazônia.

VINICIUS SASSINE / Folhapress

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