Presidente eleito interrompe transição na Guatemala

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As investidas contra o presidente eleito da Guatemala, Bernardo Arévalo, escalaram na última terça-feira (12), quando a Procuradoria Especial Contra a Impunidade (Feci, na sigla em espanhol) invadiu um centro de votação, abriu 160 caixas com votos do primeiro turno e os fotografou.

A ação aconteceu mesmo após o TSE (Tribunal Supremo Eleitoral) não consentir com a abertura das caixas —segundo a Lei Eleitoral guatemalteca, somente os cidadãos voluntários das juntas receptoras de votos podem contar as cédulas. Trata-se de um ato sem precedentes na recente história democrática do país centro-americano, que começou em 1986.

O avanço contra a corte, que até agora tem atuado como uma barreira à cruzada contra o resultado do pleito, levou Arévalo a suspender o processo de transição e pedir a renúncia da procuradora-geral da República, Consuelo Porras, do juiz Freddy Orellana (que autorizou a ação da Procuradoria) e do procurador Rafael Curruchiche —chefe da Feci e responsável pela ação de terça. Segundo o último, a abertura das caixas foi necessária por causa de uma suposta denúncia.

Os três são proibidos de entrar nos Estados Unidos por integrarem a chamada Lista Engel, como é chamada a relação de “atores corruptos e antidemocráticos” da América Central feita pelo Departamento de Estado americano. Eles ganharam tal distinção após empreenderem uma perseguição contra advogados, jornalistas e ativistas que atuaram contra a corrupção no passado.

“Os golpistas devem renunciar”, afirmou Arévalo após a invasão. O político apresentou também uma queixa-crime contra Curruchiche e Cinthia Monterroso, também da Feci, e pediu a retirada da imunidade de Porras e Orellana, para que eles sejam investigados por crimes como violação da Constituição e abuso de autoridade para fins eleitorais.

Arévalo ainda pediu a instituições do Estado que não cedessem a “arbitrariedades” e suspendeu a transição de governo “enquanto se restabelecem as condições políticas e institucionais necessárias”. Embora tenha reconhecido os resultados da eleição e se prontificado a passar o poder, o atual presidente, o direitista Alejandro Giammattei, é frequentemente apontado como parte ativa da derrocada democrática da Guatemala.

“Nosso sistema é baseado nas juntas eleitorais integradas por cidadãos voluntários e o resultado que eles colocam nas atas é o único que vale”, afirma Edgar Ortiz, diretor da área jurídica da Fundação Liberdade e Desenvolvimento. O sistema de dar peso às atas, não às cédulas, está relacionado com a história da Guatemala, explica ele. “Na época da ditadura, o Exército levava as cédulas e as ‘contava’ em outros lugares, e assim se produziam fraudes.”

Nem mesmo com uma denúncia, como alega a Feci, poderia ter ocorrido uma ação como a de terça, afirma Ortiz, porque a última palavra é a da mesa eleitoral. “Se você não reclamou na mesa, perdeu a oportunidade”, afirma. “A Procuradoria violou a Lei Eleitoral.”

Ainda na terça, o TSE pediu à Corte Constitucional a paralisação das ações da Procuradoria, que planejava novas buscas.

A missão da União Europeia no país, que acompanhou o pleito e tem expressado preocupação com os rumos da democracia guatemalteca, pediu novamente que as instituições “se abstenham de ações que minem os resultados das eleições”. Phil Gordon, assistente do presidente americano, Joe Biden, chamou o ato de um “ataque ao processo democrático e ao Estado de direito”.

Filho do primeiro presidente eleito em eleições transparentes na Guatemala, na década de 1940, Arévalo prometeu uma nova “Primavera Democrática” para o país, como ficou conhecido o período de dez anos que seu pai inaugurou.

O seu partido, o Movimento Semilla —que já foi alvo de um pedido de suspensão dos mesmos atores nos últimos meses— foi fundado em 2017 e surgiu na esteira dos grandes protestos que derrubaram em 2015 o então presidente Otto Pérez Molina, alvo de investigações da Cicig (Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala), órgão independente apoiado pelas Nações Unidas para apurar casos de corrupção no país.

A Cicig foi dissolvida em 2019, e seu fim levou a uma onda de perseguições contra aqueles que participaram do projeto.

DANIELA ARCANJO / Folhapress

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