SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Considerada prioridade máxima para o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), a privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo) teve articulação intensa do Palácio dos Bandeirantes, suspense de deputados até a reta final e acusações de promessas de emendas milionárias.
Na avaliação de parlamentares ouvidos pela reportagem, foi o que ajudou a garantir a vitória esmagadora do projeto, aprovado com 62 votos, muito acima das expectativas mais otimistas dos deputados, que duvidaram da força do governador.
“No começo, eu falava que teríamos 60, mas depois baixei a contagem para 55”, diz o deputado Barros Munhoz (PSDB), relator do projeto.
Outros parlamentares estimavam entre 50 e 55 votos, e membros do próprio governo tinham na última semana reduzido as expectativas para 50, apenas 2 a mais que o necessário em caso de plenário cheio. A Alesp tem 94 deputados.
Havia indefinições sobre o voto de membros da base do governo, como a União Brasil, o Podemos e o PSDB, que reclamavam de falta de articulação com a Casa.
Rafael Saraiva (União Brasil), por exemplo, afirmou que o governo “está atrasado com seus acordos, inadimplente na relação com o Legislativo”, e não havia decidido sobre a privatização até a véspera, mas ao final decidiu votar com o governo.
“Eu defendo a vida, e precisamos acelerar a universalização do saneamento para salvar vidas, não podemos atrasar um dia”, disse.
O principal líder da União Brasil em São Paulo é o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, o vereador Milton Leite, que tem reclamado em público de falta de discussão sobre a privatização e quer garantias de que a capital se beneficiará com a venda.
Para Munhoz, “num processo de 45 dias, é mais do que normal que haja discussões e indefinições sobre a adesão de deputados”.
“O governador participou ativamente, conversou com pessoas que estavam em dúvida, a secretária Natália Resende [Meio Ambiente] foi extraordinária no processo e a coisa amadureceu.”
Para a oposição, no entanto, o que convenceu mesmo os deputados foi a liberação de verbas. “Mais do que uma questão ideológica, foi uma questão econômica neste caso”, disse Paulo Fiorilo (PT).
Procurado, o secretário da Casa Civil, Arthur Lima, não respondeu.
Parlamentares de esquerda falaram no plenário que houve promessa de R$ 20 milhões em emendas e pagamentos de indicações como moeda de troca para angariar votos pela privatização –os deputados da base negaram.
A liberação de verbas do palácio para os deputados teve um salto expressivo três dias após o governo enviar o projeto, em 17 de outubro, quando a gestão Tarcísio pagou R$ 73,6 milhões em indicações de parlamentares –inclusive da esquerda–, o que representa quase dois terços de toda a verba liberada para indicações neste ano.
Esse valor inclui apenas as liberações de recursos já concluídas, mas os partidos também somam outros milhões de verbas em andamento.
Deputados da União Brasil, que votaram unanimemente em favor do projeto de Tarcísio, já têm R$ 12,7 milhões em emendas selecionadas para repasse e outras R$ 34,6 milhões na fase de cadastro de documentos e plano de trabalho (o que é uma etapa à frente da análise preliminar, mas ainda não significa que o valor será liberado).
Já o PSDB tem R$ 1,9 milhão em pagamentos de indicações já selecionadas para repasse e outros R$ 36,3 milhões em cadastro de documentos. O Podemos, de um total de R$ 1,5 milhão em andamento, tem R$ 500 mil na fase mais avançada da liberação.
Um único deputado do bloco da esquerda votou a favor do projeto. Foi Valdomiro Lopes (PSB), cujas indicações, todas elas na fase de cadastros de documentos, somam R$ 3,7 milhões.
A oposição, no entanto, diz não acreditar que o resultado expressivo ao fim da votação veio somente em função de uma nova promessa. A leitura é que os deputados que se diziam em dúvida, na verdade, estariam fazendo “corpo mole” –uma espécie de suspense– na tentativa de conquistar alguma benesse a mais do governo, mas votariam pela privatização de todo modo.
Havia insatisfação clara do bloco bolsonarista com o que afirmam ser uma falta de atenção de Tarcísio às pautas da direita, principalmente as de costumes, segundo a avaliação de parlamentares.
Esse grupo, formado por nomes como Gil Diniz, Lucas Bove e Major Mecca (todos do PL), provocavam a audiência contrária à privatização durante as discussões do projeto, o que gerava confusão e travava o andamento da pauta.
Deputados de partidos da centro-direita, que preferiam nem subir à tribuna para acelerar a tramitação, leram as provocações como um recado ao governo Tarcísio.
Como a oposição não votou no projeto, afirmando não haver condições de voltar ao plenário tomado por gás lacrimogêneo após a confusão entre PM e manifestantes, a proposta poderia ter sido aprovada por unanimidade, não fosse uma única defecção, de uma parlamentar bolsonarista.
A Delegada Graciela (PL), que votou não, foi eleita por Franca (SP) e afirmou que quis se “alinhar ao que pensa a maior parte da população” da cidade, considerada modelo de saneamento, disse, destacando que permanecerá na base de Tarcísio.
THIAGO AMÂNCIO E THIAGO BETHÔNICO / Folhapress