Previdência passa por apagão de estatísticas em meio a revisão de gastos e explosão de benefícios

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Previdência Social passa por um apagão de estatísticas no momento em que há uma explosão na concessão de benefícios, e o governo almeja implementar uma política de revisão de gastos para cortar R$ 25,9 bilhões em despesas em 2025.

O Beps (Boletim Estatístico da Previdência Social), documento mais tradicional e detalhado do governo sobre a evolução dos benefícios, foi publicado pela última vez em fevereiro deste ano. Desde então, não foi atualizado, como mostrou o Painel.

O apagão ocorre porque servidores do Ministério da Previdência Social, responsável pela elaboração do boletim, estão desde abril sem acesso ao Suibe (Sistema Único de Informações de Benefícios), gerido pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

O sistema agrega informações detalhadas dos beneficiários do INSS e foi desligado após o instituto identificar a exposição indevida de dados de milhões de beneficiários, como revelou a Folha de S.Paulo em junho.

A Dataprev, empresa estatal de tecnologia que presta serviços ao INSS, reformulou os protocolos de acesso ao Suibe e forneceu novas senhas a alguns órgãos, como o TCU (Tribunal de Contas da União). Mas os servidores do Ministério da Previdência Social continuavam sem acesso ao banco de dados até esta quinta-feira (25).

O impasse, que se arrasta há meses, abriu uma crise nos bastidores entre Previdência Social, INSS e Dataprev. Fora do governo, a interrupção da publicação do boletim despertou a preocupação de especialistas.

O Beps está em seu 29º volume, ou seja, é publicado desde 1996. O governo disponibiliza os dados digitalizados para os períodos a partir de janeiro de 2004.

A avaliação de especialistas é a de que as informações do boletim são de suma importância, sobretudo para acompanhar a evolução das concessões em meio à redução da fila do INSS —medida que tem contribuído para impulsionar despesas com benefícios previdenciários e BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.

Os dados também são um termômetro relevante diante da promessa do governo de fazer um pente-fino nessas políticas para cessar irregularidades e cortar gastos.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Previdência informou que “nesta quinta-feira, dia 25/7, a Dataprev passou a credenciar e distribuir senhas de acesso aos servidores da Secretaria do Regime Geral de Previdência Social do MPS”.

“A medida permite a retomada das extrações de dados necessárias à elaboração do Beps”, disse a pasta em nota.

O comunicado, sucinto, indica que a Dataprev deu uma saída ao problema após os pedidos de esclarecimento feitos pela reportagem.

A Folha procurou o INSS na noite de quarta-feira (24), e Dataprev e Previdência, no início da manhã desta quinta. A reportagem apurou que os órgãos envolvidos deflagraram uma “operação de guerra” para resolver o problema de acesso.

A Dataprev informou, via assessoria de imprensa, que opera os acessos ao Suibe “sob a autorização e critérios estipulados pelo INSS, órgão gestor do sistema”. O INSS não respondeu.

O acesso ao Suibe antes era feito apenas por login e senha, o que abriu brechas para a exposição indevida dos dados sigilosos dos segurados. Segundo a Dataprev, a nova política de segurança exige certificado digital, criptografia e validação do acesso em duas etapas, com uso de VPN (ferramenta que limita o acesso a usuários de uma mesma rede privada, mais segura).

A empresa não quis informar quais ministérios têm acesso ao sistema sob os novos protocolos, nem esclareceu se a Previdência Social tinha ou não as credenciais necessárias.

Segundo relatos, além das camadas de segurança, o novo protocolo da Dataprev e do INSS exigia que o acesso fosse feito dentro do prédio do INSS, em Brasília. Além disso, o sistema estaria acessível apenas a servidores do próprio instituto.

Esse foi o fator que barrou o acesso dos funcionários do Ministério da Previdência Social, que, apesar da área correlata, não estão formalmente ligados ao INSS.

O TCU, por exemplo, conseguiu manter o acesso às informações porque tem alguns servidores do INSS em sua equipe. Além disso, eles se deslocaram à sede do instituto para realizar as extrações de dados quando necessário.

A demora na retomada do Beps gerou o temor entre especialistas de que o boletim fosse descontinuado de forma definitiva, o que geraria grave ruptura no histórico de estatísticas da Previdência, além de reduzir a transparência.

No ano passado, sob a gestão de Carlos Lupi, o Ministério da Previdência Social começou a publicar outro documento no chamado Portal da Transparência Previdenciária, mas as informações não têm o mesmo nível de detalhe do Beps.

Segundo técnicos ouvidos reservadamente, não há intenção do governo em interromper a publicação do boletim.

Na nota oficial, a Previdência disse que o restabelecimento das senhas permite retomar as extrações de dados, mas não fixou um prazo para a publicação dos documentos.

Pesquisador associado do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), Fábio Giambiagi alerta para o impacto negativo do apagão estatístico na avaliação do cenário atual de aceleração dos gastos da Previdência.

“Acompanho a Previdência há mais de 30 anos e nunca vi um apagão estatístico assim. A Previdência tem um sistema de informações que sempre funcionou como um relógio suíço há décadas, mas agora parou de funcionar”, diz Giambiagi à Folha.

Nas últimas semanas, o especialista entrou em contato com integrantes da equipe econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) numa tentativa de alertar as autoridades para a urgência em resolver o problema.

Segundo ele, que é um dos maiores especialistas em Previdência no Brasil, o Beps era publicado religiosamente todos os meses entre os dias 30 e 1, mas deixou de ser divulgado sem nenhuma explicação do governo.

O economista do FGV Ibre ressalta que o Beps é como se fosse um minianuário, uma síntese das tabelas, mas com a vantagem de que saía todo mês.

Para o especialista em contas públicas, há uma flagrante falta de gestão. “Como é possível que o país esteja sangrando fiscalmente, naquela que é a principal rubrica de gasto, a Previdência, com aumentos [de benefícios] de 10%, 20% e 30%, num país que cresce 2%, e ninguém faz nada? É o caso de perguntar ao ministro Lupi”, critica.

A falta de dados dificulta o trabalho dos especialistas de identificar os fatores que têm levado à disparada das despesas dos benefícios previdenciários e assistenciais, como o BPC. Esse aumento vem pressionando as contas públicas e prejudicando o ajuste fiscal prometido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

“O auxílio doença era de menos de 1 milhão de pessoas em janeiro de 2023 e alcançou 1,310 milhão em fevereiro de 2024. No caso do BPC, a alta foi de 5,232 milhões a 5,865 milhões no mesmo período. Estamos falando de aumentos de 32% e de 12%, respectivamente, em 13 meses”, alerta Giambiagi.

“Em qualquer empresa privada, se algo crescer 30% real, físico, em um ano, alguém vai lá olhar, e dizer, espera aí, que custo é esse? O que está acontecendo?”, diz.

IDIANA TOMAZELLI E ADRIANA FERNANDES / Folhapress

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