Primeira concessão de florestas desmatadas não empolga grandes empresas de crédito de carbono

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Algumas das maiores desenvolvedoras de crédito de carbono do Brasil não participarão da primeira concessão de florestas desmatadas do país. As empresas tinham até segunda-feira (24) para enviar seus lances para a B3, onde ocorrerá a abertura dos envelopes nesta sexta (28). O processo é organizado pelo governo do Pará.

Das grandes desenvolvedoras ouvidas pela Folha de S.Paulo, apenas a Systemica, ligada ao BTG Pactual, e a BR Carbon entregaram os envelopes. Já Mombak, Carbonext, Ambipar, Future Climate, Biofix e Wildlife Works não participarão.

A Re.green, dos Moreira Salles e Arminio Fraga, também não teria entregue, segundo uma fonte -a empresa é uma das maiores de restauração florestal do Brasil. Já a Geonoma, que ajudou a formular o projeto, optou por não participar para evitar contestações jurídicas.

A desistência de empresas importantes no setor decepcionou organizadores da concessão. Isso porque várias desenvolvedoras participaram de roadshows e consultas públicas nos últimos meses, o que havia animado autoridades paraenses.

O engajamento neste edital é visto como fundamental pelo setor, uma vez que se trata da primeira concessão de restauração de florestas desmatadas do país. Nesse modelo, empresas se comprometem a restaurar áreas públicas desmatadas em troca de venderem créditos de carbono.

Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de carbono que foi absorvida da atmosfera ou que deixou de ser emitida. Eles são vendidos, em sua grande maioria, a multinacionais que consomem muita energia, como as big techs.

O negócio impulsiona a geração de valor financeiro na restauração florestal. Hoje, isso só é feito em áreas privadas compradas ou arrendadas pelas próprias desenvolvedoras, sem interferência pública.

Mas a preocupação de quem acompanha o tema é de que o desinteresse neste primeiro edital possa esfriar a empolgação de autoridades de outros estados e do próprio governo federal, que também prepara concessões para os próximos meses.

Chamada de Unidade de Recuperação Triunfo do Xingu (URTX), a área a ser concedida na sexta fica em Altamira e tem 10 mil hectares. Ela está a 150 quilômetros da região urbana mais próxima e, segundo o executivo de uma das empresas que desistiram de participar, os bombeiros mais próximos demorariam cerca de dez horas para chegar à região caso a floresta pegasse fogo.

Esse executivo aponta que o desmatamento na região é recente, com árvores grossas caídas e algumas mortas em pé. Com isso, a expectativa é de um grande custo logístico e operacional para limpar a área.

Na apresentação do projeto, o governo do Pará estimou que o vencedor da licitação precisará desembolsar R$ 76 milhões pelos primeiros sete anos sem acumular receitas -isso porque os créditos só podem ser comercializados quando as árvores começarem a absorver carbono e o processo de certificação estiver concluído.

Na projeção do governo do Pará, o primeiro faturamento da empresa virá em 2032, quando os créditos vendidos podem somar R$ 43 milhões. Ao todo, durante os 40 anos de concessão, o faturamento com o negócio será de R$ 340 milhões, já descontadas as despesas -esses valores podem variar a depender do preço dos créditos e do modelo de negócio escolhido pela empresa vencedora.

Em troca, o vencedor da concessão precisará pagar anualmente no mínimo 3% e no máximo 6% de sua receita bruta. Caso a oferta seja superior a 6%, a empresa precisará pagar uma outorga fixa no início do projeto. A baixa concorrência, no entanto, deve fazer com que o valor a ser pago pelo vencedor seja próximo do mínimo -o que diminui os ganhos do estado.

Segundo fontes ouvidas pela Folha, as dificuldades operacionais do projeto foram o principal fator da desistência das empresas. Além de apontarem falta de flexibilização do governo paraense, esses executivos argumentam que as desenvolvedoras não têm hoje expertise para lidar em uma área tão isolada e com conflitos (inclusive com grileiros) como a URTX.

As duas empresas que confirmaram participação no leilão já têm projetos no Pará. A Systemica, aliás, opera um projeto desde 2022 na mesma região do estado onde a área será concedida -nesse caso, porém, trata-se de conservação e não restauração.

Em janeiro, o CEO da empresa, Munir Soares, chamou atenção para os desafios operacionais na região. “Há uma questão logística e de segurança, porque são áreas que sofreram desmatamento e que têm pressão de invasores e grileiros, além de terem processos sociais complexos. Essa pressão para os projetos de restauração é um risco, porque você está plantando uma floresta”, disse à Folha.

A concessão prevê que o estado arque com os custos caso seja comprovado que eventuais danos ao projeto não foram causados pela empresa. Como isso será feito, porém, ainda é incerto.

Também em janeiro, Fábio Galindo, CEO da Future Climate, defendeu que o governo reduzisse ao máximo as outorgas, devido à falta de previsibilidade da venda de créditos ao longo dos anos.

“No mercado de carbono, só há receita potencial, porque não existe um tomador efetivo daquele carbono. Ou seja, se o governo não for conservador na modelagem, o projeto não vai ser viável”, diz.” “E se ninguém participar da primeira concessão, a política pública vai naufragar. Então, como não dá para errar, a outorga tinha que ser zero”, acrescentou.

Os governos, tanto do Pará quanto federal, no entanto, são reticentes.

PEDRO LOVISI / Folhapress

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