BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em seu primeiro dia no Brasil, nesta terça-feira (14), o grupo de repatriados palestinos que desembarcou em Brasília passou por vacinação e um processo de atendimento social e psicológico. O governo afirma que eles receberão CPF, carteirinha do SUS e poderão se inscrever no Cadastro Único.
“Eles têm direito, como todo cidadão brasileiro ou migrante, aos programas do governo federal”, afirmou o secretário nacional de Justiça, Augusto Arruda Botelho.
Na quarta-feira (15), eles devem ser encaminhados para seus familiares ou para um abrigo, no interior de São Paulo, em local ainda não divulgado.
A intenção é que os ministérios da Justiça, dos Direitos Humanos, do Desenvolvimento Social e da Saúde, em conjunto com agências da ONU, realizem um processo de acolhida e escuta com os repatriados, por meio de entrevistas com os que chegaram, para entender quais as necessidades e demandas do grupo.
Eles também serão informados sobre as possibilidades de assistência às quais eles poderão ter acesso por meio do Sistema Único de Assistência Social por exemplo, o Bolsa Família ou o Benefício de Prestação Continuada.
Por enquanto, não está prevista nenhuma nova iniciativa especificamente voltada para eles, além da estrutura que já existe para atendimento da população imigrante e brasileira.
“[Ofereceremos] Uma saúde integral, que combine oferta de vacinação com o atendimento psicológico, considerando que são pessoas que vêm de uma situação de guerra”, afirmou Clarissa Carmo, coordenadora-geral de Promoção dos Direitos das Pessoas Migrantes, Refugiadas e Apátridas do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
O grupo de 32 pessoas, dentre brasileiros que estavam em Gaza e parentes, chegou ao Brasil na noite de segunda-feira (13), em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB).
Destes, 26 vão para São Paulo, dos quais parte será encaminhada para casas de familiares e parte para um abrigo. Além disso, uma pessoa seguirá para Novo Hamburgo (RS), uma para Cuiabá (MS), duas para Florianópolis (SC) e quatro permanecerão em Brasília (DF).
Os repatriados são 22 brasileiros, 7 palestinos que têm RNM (Registro Nacional Migratório) e 3 palestinos que são familiares próximos dos demais integrantes. Do total de 32, 17 são crianças, 9 são mulheres e 6 são homens.
Com a chegada desse grupo, a cifra total de cidadãos repatriados pelo Brasil desde o início da guerra Israel-Hamas sobe a 1.477, sendo 1.462 deles brasileiros, além de 53 animais domésticos.
Trata-se da maior operação de retirada de civis de zonas de guerra operada pela Força Aérea Brasileira em sua história.
Os repatriados de Gaza foram recebidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e dois deles conversaram com a imprensa ao lado do petista. Eles pediram que o Executivo também retire seus parentes da guerra. Lula disse que o governo irá se esforçar para repatriar todos que desejarem vir ao Brasil.
Hasan Rabee, 30, que nasceu em Gaza mas tem cidadania brasileira, afirmou que chegou a passar fome e sede na área em conflito. Ele havia viajado para o casamento da irmã e ficou preso no país após o início do conflito, em 7 de outubro.
Ficamos lá 37 dias. Foi muito sofrimento. Às vezes, a gente até passava fome, passava sede. Queria agradecer à embaixada do Brasil, que nos deu bastante suporte, alimentação, recursos para a gente comprar comida”, disse.
Rabee fez diversas publicações nas redes sociais em que relatou a angústia para atravessar a fronteira e ir ao Egito para pegar o avião. Também fez críticas a Israel. “O que está acontecendo lá é um massacre. Difícil para todos vocês entenderem o que a gente passou lá. As bombas caindo por todo lado, as minhas filhas ficaram muito chocadas lá, muito triste”, disse.
Rabee contou que nas primeiras semanas da guerra dizia a seus filhos que as bombas eram de festas de aniversário, mas, depois, não tinha mais como manter essa versão sobre a guerra.
“Quando começaram a entender o que estava passando, quando chegava avião militar israelense, elas fechavam a janela porque achavam que assim ficariam protegidas”, disse.
A estudante Shahed al-Banna, 18, também falou com a imprensa. Ela é brasileira e morava em Gaza há um ano e meio porque sua mãe teve câncer e foi para seu país de origem se despedir de seus parentes.
“Quando começou a guerra, deveria ser um dia normal. Eu estava me preparando para ir para a faculdade e de repente começou a cair bomba, começaram a bombardear todos os lugares sem aviso”, disse.
Ela contou que perdeu muitos familiares e amigos e até a própria casa na guerra. “A gente chegou a pensar que não ia mais conseguir sair de lá, que iríamos todos morrer e que ninguém ia saber da gente. Mas graças a Deus, graças ao governo, ao presidente, à Força Aérea a gente está aqui agora”, afirmou.
Na chegada do grupo, Lula voltou a criticar a resposta israelense aos ataques terroristas cometidos pelo Hamas.
“Se o Hamas cometeu um ato de terrorismo e fez o que fez, o Estado de Israel também está cometendo vários atos de terrorismo ao não levar em conta que as crianças não estão em guerra; ao não levar em conta que as mulheres não estão em guerra; ao não levar em conta que eles não estão matando soldados, estão matando junto crianças”, declarou o presidente.
“E, depois, [há também] a destruição de tudo que as pessoas levam décadas para construir. Uma casa, uma rua, um prédio, uma escola, um hospital, e depois uma simples bomba detona aquilo sem ninguém assumir a responsabilidade de quem vai recuperar aquilo”, disse.
“Não estão matando soldados, estão matando junto crianças. Já são mais de 5.000 crianças e tem mais de 1.500 crianças desaparecidas que certamente estão no meio dos escombros”, continuou o presidente.
Segundo o Ministério de Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, o número de palestinos mortos no conflito passa de 11,3 mil. Dessas vítimas, ao menos 4.600 seriam crianças.
JOÃO GABRIEL / Folhapress