Primeiro filme gravado na Amazônia é encontrado e exibido após décadas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dado como perdido por quase um século, aquele que é considerado o primeiro filme rodado na Amazônia não apenas foi encontrado, como ganha uma reestreia nesta quarta, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, para depois seguir para João Pessoa, Rio, Fortaleza, Manaus e, no ano que vem, Portugal.

Dirigido pelo fotógrafo e cineasta luso-brasileiro Silvino Santos, “Amazonas, O Maior Rio do Mundo” foi gravado em 1918, mas se perdeu na década de 1930, apesar de ter caído no boca a boca ao ser exportado para a Europa e de ser obra de um dos fundadores do documentário brasileiro.

Negativos de uma cópia em nitrato de celulose, no entanto, foram encontrados por acaso em fevereiro deste ano, no Arquivo Nacional de Cinema da República Tcheca, em Praga. Erroneamente catalogado como uma produção americana de 1925, o material teve a veracidade comprovada pela Cinemateca Brasileira.

Sávio Luis Stocco, especialista em Silvino Santos e professor da Universidade Federal do Pará, conta que a identificação se deu quando o curador do Festival de Cinema Mudo de Pordenone se deparou com o material e lembrou de sua tese de doutorado, que mencionava a produção.

“Sempre há esperança de um filme perdido estar em algum lugar”, afirma Gabriela Queiroz, diretora técnica da Cinemateca, que diz ainda que descobertas do tipo são frequentes. Ela lembra quando, nos anos 1980, a instituição recuperou dois filmes desaparecidos de Fritz Lang.

Já exibida no festival italiano de Pordenone, a cópia de “O Maior Rio do Mundo” que chega ao Brasil é uma digitalização e terá seus silenciosos 66 minutos acompanhados de trilha sonora inédita, composta pelo músico e professor Luiz Henrique Xavier.

Não é acaso que “O Maior Rio do Mundo” tenha sido encontrado na cinemateca tcheca, já que se assemelha a um cinejornal, um retrato exótico do além-mar para os europeus, numa época em que viagens internacionais eram escassas.

Segundo Stocco, o filme foi finalizado em Manaus, com a intenção de ser levado à Europa para ser legendado em inglês, francês e alemão. O responsável pelo transporte, no entanto, alterou o nome da obra e a distribuiu por conta própria, como se fosse sua.

Não que Santos tenha deixado de trilhar carreira de sucesso por causa do imbróglio. Diante da perda de autoria das imagens, ele voltou à floresta para filmar “No Paiz das Amazonas” -que, segundo Queiroz, está na fila de restauro da Cinemateca.

Dividido em blocos, “O Maior Rio do Mundo” mostra o Norte do país, passando por sua fauna e flora, claro, mas apresentando ainda cidades, a extração da borracha e de castanha e o povo indígena uitoto.

“O filme serviu como janela importante da região, feita pela elite intelectual e comercial. Há uma mescla de gêneros, porque além de cinejornal é um filme comercial, por apresentar os produtos da região, um filme sobre animais, que eram muito populares, um filme de viagem, com interesse etnográfico, e com certo humor. Por isso ele foi muito elogiado na Europa”, diz Stocco.

Haverá certa estranheza nas imagens para o público de agora. Elas incluem cavalos sendo violentamente chicoteados e o uso do termo “selvagem” para se referir a povos originários.

Numa cena, vários peixes-bois são enfileirados em canoas, algo impensável hoje, quando sabemos que a espécie está criticamente ameaçada de extinção, também como consequência da caça no período.

Com apoio da Folha de S.Paulo, a sessão desta quarta inclui debate com Eduardo Morettin, professor da USP, Klára Trsková, do Arquivo Nacional de Cinema da República Tcheca, e Stocco. A mediação é de Giuliana de Toledo, jornalista da Folha.

LEONARDO SANCHEZ / Folhapress

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