SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Apesar de sua atual fama de vampiro, Drácula também tinha de lidar com a burocracia do século 15, assinando até recibos de impostos. Graças à papelada, pesquisadores italianos conseguiram obter resquícios de antigas proteínas que seriam derivadas do corpo dele, com pistas sobre seu estado de saúde e acerca do ambiente que o rodeava.
É verdade que as descobertas, descritas na revista especializada Analytical Chemistry, não se referem exatamente ao personagem aterrorizante popularizado pelo escritor irlandês Bram Stoker em seu romance de 1897. Os documentos que serviram de base para o trabalho científico foram escritos por Vlad 3º (1428-1477), príncipe da Valáquia (região da atual Romênia) cuja crueldade foi uma das inspirações para o vilão de Stoker.
Isso porque o nobre também era conhecido como Vlad Tepes (“o Empalador”), devido ao costume de mandar transpassar o corpo de seus inimigos capturados com estacas, deixando-os pendurados nelas. As principais vítimas do procedimento teriam sido soldados do Império Otomano, sediado na Turquia, que havia dominado parte da Europa Oriental na época. Já o epíteto “Drácula” (Draculea, em romeno) foi herdado do pai dele, que pertencia a um grupo de cavaleiros conhecido como a Ordem do Dragão (“dracul”, em seu idioma nativo).
No trabalho, coordenado por Vincenzo Cunsolo, do Departamento de Ciências Químicas da Universidade de Catânia, na Sicília, a equipe se debruçou sobre três cartas assinadas por Vlad e escritas (em latim) entre 1457 e 1475. Duas delas passaram os últimos cinco séculos guardadas nos arquivos da cidade de Sibiu, para onde tinham sido endereçadas.
Uma dessas cartas de Sibiu, endereçadas ao “ilustre mestre Thomas Altemberger” (chefe do governo da cidade), ratifica que Vlad recebeu do súdito um pagamento de 200 florins húngaros (já que, na época, o príncipe valáquio era um subordinado do rei da Hungria) a título de impostos.
O que a equipe italiana fez foi, em primeiro lugar, tentar obter amostras de moléculas de origem biológica a partir do papel das cartas da forma menos invasiva possível. Para isso, eles cobriram os manuscritos com filmes muito finos de EVA, polímero muito usado na indústria para diferentes fins (como os tapetes em áreas de lazer para crianças, por exemplo). Os filmes de EVA, assim, ajudaram a “pescar” as moléculas.
Como, porém, houve muitas possibilidades de contaminação do material desde que Drácula manuseou o papel, Cunsolo e seus colegas também usaram uma “balança” molecular extremamente sensível para avaliar a composição exata das substâncias obtidas pelo método. Acontece que, com o passar dos séculos, moléculas orgânicas sofrem modificações reconhecíveis em sua estrutura.
Isso permitiu que a equipe separasse fragmentos de proteínas realmente antigos dos que são derivados de contaminação mais recente. De acordo com os pesquisadores italianos, os pedaços proteicos presentes no papel sugerem, por exemplo, que Vlad Tepes pode ter sofrido de processos inflamatórios do trato respiratório ou da pele.
E a presença de fragmentos de proteínas do sangue poderia corroborar outro boato que circulava sobre ele na época: o de que Drácula sofria de hemolacria –ou seja, haveria certa quantidade de sangue nas lágrimas do príncipe, disfunção que pode ter várias causas, como tumores ou hipertensão.
Esses dados correspondem às 16 proteínas de origem humana identificadas nas cartas, mas os pesquisadores também encontraram traços de moléculas orgânicas derivadas de outros seres vivos. Há, por exemplo, sinais da presença de bactérias da peste bubônica –um problema comum na Europa do século 15. E de moscas-das-frutas, que seriam atraídas por frutas excessivamente maduras -sinal de que nem sempre o nobre tinha acesso aos melhores produtos, mesmo com seu poderio.
A equipe não chegou a examinar a possibilidade de que um secretário tivesse escrito as missivas no lugar de Drácula, o que poderia enfraquecer as conclusões do estudo.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress