SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A carioca Luiza Frischeisen, 57, foi num comício das Diretas Já quando adolescente, considera-se uma social-democrata, elege a “construção da igualdade” como norte da sua carreira de 31 anos no Ministério Público Federal e recepcionou o ano eleitoral de 2022 com otimismo em suas redes sociais.
Postou naquele 1º de janeiro: “Na nossa Terra redonda, com o SUS, as vacinas e a ciência, com empatia pelos vulneráveis, vou seguir na defesa da Constituição, da igualdade de chances, da República e da Democracia, da urna eletrônica, das eleições! Feliz novo ano! E vamos em frente!”.
Quem procurar pelo nome da subprocuradora-geral da República no Google, hoje, depara-se com outra busca bem popular relacionada a ela: “Luiza Frischeisen esquerda”.
Ela acha graça no enquadramento ideológico. “Apareceu meio que na internet, quando concorri em 2019 e em 2021”, diz, lembrando das primeiras vezes em que entrou na lista tríplice sugerida por sua categoria para o topo da PGR (Procuradoria-Geral da República) –na primeira vez, foi a segunda candidata mais votada e, na sequência, encabeçou a preferência dos colegas.
“Eu tenho essa plataforma que eu te falei: sou uma grande defensora dos direitos sociais, dos direitos das mulheres”, diz. “Aí o povo lá do… Não sei o que aconteceu, uma coisa dos bolsonaristas, dos que apoiavam Bolsonaro, apoiavam Aras”, conjectura. Ela perdeu o cargo para Augusto Aras nas duas ocasiões.
O presidente do país recebe as recomendações da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) para o posto desde 2001 e decide se vai segui-las ou não. Não é obrigado, mas, a partir de 2003, todos pinçavam um PGR dali.
Jair Bolsonaro (PL) espatifou a tradição já no primeiro ano de mandato, repetiu a dose dois anos depois, e o apoio da classe não bastou para Frischeisen ganhar a vaga. Aras, que nem sequer estava na lista, foi o escolhido nas duas vezes.
O tal “Luiza de esquerda” pode ter influenciado o pouco-caso com a favorita? Pode. Mas a história periga se repetir em 2023. Frischeisen voltou a liderar as sugestões da ANPR, mas o presidente Lula (PT) sinaliza que seguirá nessa toada bolsonarista e vai ignorar a lista tríplice.
Nem o próprio Aras, torpedeado pelo PT por consecutivos afagos a Bolsonaro e asseclas até o ano passado, está descartado.
Frischeisen adolesceu no rebuliço que foi a passagem dos anos 1970 para os 1980, quando a ditadura militar já respirava por aparelhos. Filha mais velha de um oficial da Marinha e de uma dona de casa, ela cresceu na Tijuca. No mesmo bairro da zona norte carioca, estudou numa escola tocada por freiras progressistas.
A liberdade de costumes que sua geração experimentou no Rio, conta, ajudou a desembaçar sua visão de mundo na juventude.
Em 1979, a Lei da Anistia devolveu ao Brasil exilados como Fernando Gabeira, envolvido no sequestro do embaixador americano dez anos antes. Gabeira marcaria aqueles tempos, com seu ideário ambientalista, novidade à época, e a tanga de crochê que pegou emprestada da prima Leda Nagle para usar na praia de Ipanema.
Não que sua criação fosse “a mais progressista do mundo”, mas Frischeisen também passava longe do conservadorismo patente do período. “Venho de uma formação liberal.”
Craque em história no colégio, ela acabou optando por direito no vestibular, mesmo curso que o pai, já na Marinha, fizera. Entrou para a UERJ em 1984 e, na temporada universitária, testemunhou uma Constituição sendo elaborada em tempo real. Formou-se com a Carta Magna de 1988 já na mesa.
O ingresso no Ministério Público, em 1992, coincidiu com novo alvoroço social –o procurador-geral da vez, Aristides Junqueira, virou mais um calo para o então presidente Fernando Collor, denunciado por corrupção e destituído pelo Congresso naquele ano.
A procuradora trocou Rio por São Paulo, pela carreira e também por um companheiro da época, e virou mestre pela PUC-SP e doutora pela USP.
As três décadas de atuação profissional cristalizaram seu entusiasmo por causas como ações afirmativas e acordos de não persecução penal –alternativas pactuadas entre defesa e acusação para substituir a pena de prisão para infrações leves, desafogando o sistema carcerário.
Como conselheira do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), posto que ocupou de 2013 a 2015, defendeu cotas nos concursos de juízes. As políticas afirmativas têm ganhado espaço no Judiciário na última década e introjetado mais pluralidade num ecossistema superpovoado por homens brancos.
Eles ainda são maioria, sobretudo na cúpula da área.
Frischeisen dribla perguntas mais espinhosas, como a possibilidade de Rosa Weber, após se aposentar, ser substituída por um homem no Supremo Tribunal Federal. Isso reduziria a presença feminina na mais alta corte do país a uma única mulher, Cármen Lúcia. “Aí temos que falar com o presidente da República.”
Também é escorregadia quando questionada se já foi alvo de machismo no trabalho. Mas, de uma forma geral, é claro que as mulheres, sobretudo as negras, estão subrepresentadas no campo, reconhece.
“A gente tem que estar de olho aberto. No Ministério Público somos 30%, a gente não aumenta. Pô, por que não atraio mais mulheres na base?”
Algumas situações não são mais aceitáveis, como seminários em que “bastava [incluir na mesa] uma mulher e já tava bom”.Também não vale só chamar mulher para falar de machismo, ou negro para discutir racismo, exemplifica. “Quero falar de tudo.”
E mais um pouco. Frischeisen enervou bolsonaristas ao enaltecer vacinas, criticar o 7 de Setembro promovido por Bolsonaro em 2021, tratar os ataques de 8 de janeiro em Brasília como uma tentativa de golpe e não descartar que a prisão de Lula possa ter sido um excesso da Lava Jato.
A letra da lei não é a única que a interessa. Na pilha de livros, nomes como a brasileira Carla Madeiro e a espanhola Rosa Montero. “Estou sempre lendo mulheres.”
Na política, simpatiza com as deputadas Tabata Amaral (PSB-SP), Sâmia Bonfim (PSOL-SP), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Duda Salabert (PDT-MG) e Erika Hilton (PSOL-SP), todas à esquerda pelas balizas atuais de Brasília. “Acompanho todas essas no Instagram.”
Frischeisen prefere não revelar suas escolhas eleitorais, embora admita que seu posicionamento como um todo dê pistas sobre sua preferência nas urnas. “Pode excluir uns aí que eu não andei votando nos últimos anos.”
Mas optar por A ou B, para ela, não interfere no ofício. “O papel do Ministério Público é compreender e interpretar a Constituição, as leis e as convenções”, afirma. “E a nossa Constituição assegura direitos sociais.” O resto é intriga da oposição.
LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, 57
Formou-se em direito pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é mestre em direito do Estado pela PUC-SP e doutora em direito pela USP. Entrou no Ministério Público Federal em 1992. Em 2015, virou subprocuradora-geral da República. Entrou na lista tríplice para chefiar a PGR (Procuradoria-Geral da República) três vezes: em 2019, no segundo lugar, e em 2021 e 2023 no topo. Augusto Aras foi o indicado por Jair Bolsonaro nas duas primeiras vezes. Na atual, Lula ainda não fez sua escolha.
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / Folhapress