Procuradores comparam caso Moro ao da juíza Selma e apontam semelhanças e diferenças

CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – O caso da juíza Selma (Podemos-MT), que teve o mandato de senadora cassado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no final de 2019, foi abordado em trechos do parecer de 79 páginas feito por procuradores eleitorais do Paraná sobre o caso do senador Sergio Moro (União Brasil-PR), alvo de uma ação de investigação judicial eleitoral encabeçada pelo PL e pelo PT e em trâmite no TRE (Tribunal Regional Eleitoral).

O parecer, no qual os procuradores sugerem a cassação do mandato de Moro por abuso de poder econômico na pré-campanha do pleito de 2022, foi protocolado no TRE na noite desta quinta-feira (14). O julgamento deve ocorrer em janeiro.

No meio político e jurídico, a comparação entre os processos judiciais de Moro e da senadora cassada Selma Arruda tem sido frequente. Para os autores do parecer, Marcelo Godoy, procurador regional eleitoral, e Eloisa Helena Machado, procuradora regional eleitoral substituta, há semelhanças e diferenças entre os casos dos ex-magistrados que migraram para a política.

Por 6 votos a 1, o TSE cassou o mandato da senadora ao entender que houve abuso de poder econômico e também captação ilícita de recursos ligados à campanha eleitoral de 2018. A Justiça Eleitoral concluiu que ela e seu primeiro suplente, Gilberto Possamai, omitiram quantias expressivas usadas para pagar despesas de campanha no período pré-eleitoral.

Selma e Possamai ficaram inelegíveis por oito anos, e uma nova eleição foi realizada para preencher a cadeira de Mato Grosso.

No caso de Moro, os procuradores entendem que houve abuso de poder econômico, a partir de gastos excessivos durante o período da pré-campanha, mas não corroboram com o argumento do PL e PT de que seria possível apontar também captação ou gastos ilícitos de recursos, como o TSE entendeu ter ocorrido no caso da Juíza Selma.

“A prova produzida nestes autos é insuficiente para aferir com segurança a existência de violação às normas que regem a arrecadação, gastos e contabilização de recursos financeiros eleitorais”, escrevem os procuradores.

Já em relação ao abuso de poder econômico, os casos se assemelham, na visão dos procuradores. “A autorização para realização de despesas de pré-campanha não implica em concessão de ‘carta branca’ para o emprego irrestrito de recursos financeiros”, escrevem eles.

“Não foi outra a conclusão do TSE quando do julgamento do paradigmático caso Selma Arruda, oportunidade em que a Corte reconheceu a prática de abuso de poder econômico em razão do investimento de valores copiosos em pré-campanha”, continua o Ministério Público.

No cálculo feito pelos procuradores, a pré-campanha de Moro, sustentada por recursos dos partidos Podemos e União Brasil, custou, no mínimo, R$ 2.030.228,09. O valor apontado pelo Ministério Público é diferente do que Moro e os partidos PT e PL registram no processo.

Enquanto a defesa de Moro fala em gastos módicos e calcula R$ 141.034,70 na pré-campanha, o PL diz que foram ao menos R$ 7.600.702,14. Já o PT afirma que foram no mínimo R$ 4.790.051,25.

A diferença nos valores acontece porque cada um seguiu um critério diferente sobre o que pode ou não ser considerado gasto com pré-campanha e o que era efetivamente despesa ligada ao ex-juiz ou ao conjunto de pré-candidatos.

Considerando o valor da pré-campanha calculado pelos procuradores (R$ 2.030.228,09), isso representaria 45% do limite de gastos de campanha para candidatos ao cargo de senador do Paraná nas eleições do ano passado (R$ 4.447.201,54).

O teto foi cumprido pela chapa encabeçada por Moro, que registrou R$ 4.243.435,12 em despesas de campanha (excluindo pagamentos relativos a honorários advocatícios e contábeis, o que a legislação eleitoral permite).

Questionado nesta sexta-feira (15) sobre a posição do Ministério Público, o advogado de Moro, Gustavo Guedes, disse em nota que respeita, mas discorda do parecer, “na medida em que considerou gastos fora do Paraná e aqueles indiferentes eleitorais (segurança, para não ser assassinado pelo PCC) como despesas pré-eleitorais”.

Ele também chamou atenção para a diferença dos valores apontados pelas partes: “Seguiremos baixando ainda mais a conta no trabalho de convencimento dos juízes do TRE”.

Para o advogado de Moro, somente podem ser considerados os gastos realizados na circunscrição da disputa (no Paraná) e que tenham atraído algum benefício eleitoral (para a candidatura ao Senado).

Moro se filiou ao Podemos em 2021 de olho na disputa presidencial. Mas, perto do prazo final para trocas partidárias, em 2022, abandonou o Podemos, anunciando filiação à União Brasil e sua candidatura ao Senado.

Por isso, os partidos opositores apontam que os gastos de pré-campanha, voltados inicialmente para a disputa ao Palácio do Planalto, tornaram-se “desproporcionais” e “suprimiram as chances dos demais concorrentes” ao Senado no Paraná.

Os procuradores observam que a troca de cargo faz parte do jogo político-democrático, mas que não há como desvincular os benefícios eleitorais da alta exposição alcançada por meio da pré-candidatura à Presidência da disputa ao Senado do Paraná.

“A projeção nacional de uma figura pública desempenha um papel crucial, mesmo em eleição a nível estadual, influenciando diversos aspectos do processo eleitoral”, argumenta o Ministério Público.

No parecer, os procuradores também mencionam que alterações feitas em 2010 na legislação eleitoral não mais exigem a conexão direta entre abuso de poder econômico e potencial impacto no resultado das urnas.

Entre outras coisas, a defesa de Moro tem argumentado que a vitória eleitoral se deu diante de todo o capital político obtido pelo ex-juiz desde a Lava Jato, concluindo não haver impacto relevante dos gastos da pré-campanha no resultado.

Os procuradores concordam que não é possível ignorar o fato de Moro já ser uma figura pública conhecida da população mesmo antes da filiação ao Podemos. Por outro lado, continuam eles, “levar tal argumento ao extremo importaria na verificação do ato abusivo por meio da antiga concepção de impacto eleitoral”, na qual se exigiria “nexo de causalidade entre o ato abusivo e o resultado da eleição”.

Ainda de acordo com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, não haveria elementos suficientes para apontar utilização indevida dos meios de comunicação social e triangulação de recursos com indícios de corrupção eleitoral, como apontaram o PL e o PT na ação de investigação contra Moro.

Os partidos miram principalmente a contratação pela União Brasil do escritório de advocacia de Luis Felipe Cunha, amigo de Moro há mais de 20 anos e hoje primeiro suplente do senador.

Por indicação de Moro, o escritório Vosgerau & Cunha Advogados Associados foi contratado para atender juridicamente os pré-candidatos do partido entre abril e julho de 2022. Entre outras coisas, o valor do contrato (R$ 1 milhão) e o fato de o escritório não ter experiência na área eleitoral chamaram a atenção dos partidos de oposição.

O advogado do PT, Luiz Eduardo Peccinin, fala em “contrato fake” e “advogado de fachada” e afirma que as quatro parcelas de R$ 250 mil podem ter servido para “custear de modo oculto despesas pessoais e de pré-campanha do Moro”, o que o senador e seu suplente negam.

No parecer, os procuradores afirmam que “não foi produzida prova no sentido de demonstrar a falta de prestação adequada dos serviços e posterior reversão dos valores para fins eleitorais, de forma que a suposta triangulação não restou demonstrada”.

Em nota à imprensa, os advogados do PL, Bruno Cristaldi e Guilherme Ruiz, dizem que o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral “acaba com a falácia de perseguição política e fragilidade do conjunto probatório, na qual a defesa se agarrava”. Por outro lado, continuam eles, o parecer “deveria ter sido mais severo em relação a muitos outros pontos que foram relevados”.

CATARINA SCORTECCI / Folhapress

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