SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dois profissionais de saúde foram imobilizados e levados à delegacia por agentes da Polícia Militar de Goiânia, enquanto trabalhavam em uma maternidade, após serem acionados pelo marido de uma paciente, que queria atendimento imediato à esposa.
O marido de uma paciente teria ficado insatisfeito com o tempo de espera e acionou um vereador da cidade, que enviou um assessor ao local. O assessor teria chamado a polícia, que deu voz de prisão a quem se recusou a detalhar informações sobre o atendimento à grávida, segundo o Sindsaúde-GO (Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde no Estado de Goiás)
Os profissionais estavam atendendo pacientes que aguardavam no saguão do Hospital Municipal Célia Câmara quando a polícia chegou. Segundo relatos recebidos pelo sindicato, ao chegarem à unidade, os policiais desconsideraram os protocolos oficiais de triagem e agiram de forma autoritária. Eles queriam que a equipe atendesse à paciente cuja situação gerou o chamado à polícia.
“Quando os policiais chegaram, ignoraram os protocolos de triagem da unidade e agiram de forma autoritária e desproporcional”, disse o Sindsaúde-GO.
A gestante que aguardava ser atendida na unidade tinha ficha clínica “verde”, condição considerada de menor gravidade. A classificação segue o protocolo Manchester, referência de triagem de pacientes no atendimento hospitalar.
Uma enfermeira e um maqueiro foram detidos durante o plantão. Vídeos publicados no X (antigo Twitter) mostram imagens da detenção dos profissionais.
Em um deles, é possível ver um policial sobre o maqueiro, que está deitado no chão. O rapaz, que se debate para impedir que o agente coloque nele as algemas, está com a calça do uniforme arriada, com a cueca à mostra. “Estão machucando o colega”, grita uma testemunha. Em um canto, a enfermeira aparece agachada, encostada numa parede. Imagens de uma câmera de monitoramento, no saguão da maternidade, mostram o momento em que os policiais tentam arrastar a enfermeira e o maqueiro tenta impedi-los.
O deputado estadual Mauro Rubem (PT) acompanhou os profissionais de saúde na delegacia e classificou a ação como grave injustiça. Segundo o parlamentar, o casal tentou usar influência política para burlar os protocolos médicos, levando à prisão dos trabalhadores. “Eles estavam apenas cumprindo suas funções e foram tratados como criminosos. A humilhação desses profissionais é revoltante”, afirmou.
Rubem destacou que a liberação ocorreu apenas às 3h de domingo, após pagamento de fiança por ele. “A demora na delegacia foi absurda, uma tentativa de exaustão para todos”, completou.
VEREADOR LAMENTA EXCESSO DA PM
AO UOL, o vereador Igor Franco (MDB) confirmou que o marido da paciente entrou em contato com seu gabinete. E disse que enviou um assessor ao local, para dar acompanhamento ao caso, mesmo não conhecendo a grávida e seu marido. “Temos um protocolo em nosso gabinete de sempre prestar atendimento a quem nos procura e pede ajuda”, declarou.
Franco negou categoricamente que seu assessor estivesse filmando o que acontecia ou que interferiu na situação, chamando a polícia. “Se eu soubesse que alguém da minha equipe fez isso, eu exoneraria na hora”, prometeu.
“Não fui eu quem chamou a polícia. Eu vi as imagens dos vídeos que circularam. Lamento pelo excesso dos PMs, pelas imagens dá para ver que teve excesso por parte dos agentes. Mas existe um boletim de ocorrência, agora a polícia tem que apurar o que aconteceu”, disse Igor Franco.
EM BO, HOMEM DIZ QUE ESPOSA ESTAVA PASSANDO MAL
Boletim de ocorrência foi registrado pelo marido da paciente. Nele, o homem disse que sua esposa, grávida de 39 semanas e quatro dias, estava passando mal e não recebeu o atendimento adequado. Por conta disso, ele acionou PM alegando omissão de socorro no Hospital da Mulher em Goiânia.
Ao chegar ao local, a PM solicitou à enfermeira informações sobre o médico responsável, que havia deixado o hospital. Ela teria se recusado a fornecer os dados, afirmando ser uma prática do hospital não divulgar essas informações. Segundo o boletim, a enfermeira recebeu ordem para permanecer no local e fornecer seus dados pessoais, mas teria insistido em sair, sendo contida pelos policiais, o que gerou resistência.
O maqueiro interveio, tentando evitar a condução da enfermeira. Ele teria xingado os policiais, resistido à prisão e entrado em confronto físico, resultando em escoriações em um dos agentes. Devido ao tumulto causado no local, incluindo manifestações de outros funcionários e pacientes contra a ação policial, foi solicitado reforço de viaturas.
A enfermeira e o maqueiro foram conduzidos à Central de Flagrantes. Eles foram em um veículo do hospital, acompanhados por representantes do hospital, advogados e o deputado Mauro Rubem. Após o incidente, a paciente foi levada para uma sala de cirurgia e submetida a um parto, realizado por outro médico. A criança nasceu saudável.
O Hospital da Mulher e Maternidade Célia Câmara esclareceu, em nota, que segue rigorosamente o protocolo de Classificação de Risco. Segundo o hospital, a paciente envolvida no incidente tentou ser atendida fora das diretrizes, exigindo prioridade sobre outras mulheres em condições mais graves, algo que foi negado pela equipe médica.
A gestão do hospital, por meio da Fundahc/UFG, lamentou a conduta da Polícia Militar. Para garantir suporte jurídico, foi acionada uma advogada criminalista. O HMMCC informou ainda que os atendimentos na emergência seguem normalmente, reforçando o compromisso com a saúde da população.
O Sindsaúde-GO repudiou a ação policial e denunciou o uso abusivo de poder. “É inaceitável que trabalhadores da saúde sejam tratados como vilões em um contexto de crise causado pela negligência do poder público”, afirmou a entidade. O sindicato destacou que os profissionais enfrentam condições precárias de trabalho, atrasos salariais e falta de segurança nas unidades. Não conseguimos contato com a defesa dos profissionais de saúde.
PM disse que “enfrentou resistência de alguns servidores do hospital”. Segundo a corporação, profissionais “se recusaram a fornecer informações essenciais” e que isso “exigiu medidas adicionais por parte dos policiais para assegurar o cumprimento das determinações legais e o restabelecimento da ordem”. Em nota, a polícia disse que abriu procedimento para investigar o caso.
“Diante da recusa reiterada, dois servidores foram detidos pelos crimes de desobediência e resistência, sendo conduzidos à Central Geral de Flagrantes. O transporte foi realizado em veículo institucional do hospital, sob a supervisão da equipe policial. Na delegacia, a autoridade competente analisou os depoimentos das testemunhas e os fatos apresentados, culminando na lavratura de um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e em uma prisão em flagrante, com o devido encaminhamento às medidas legais cabíveis”, diz a nota.
MAURÍCIO BUSINARI / Folhapress